Sem título I
Quero dizê-lo mas não digo.
Quero senti-lo mas não sinto.
Quero pensar e penso
que não digo o que digo
que não sinto o que sinto.
Tudo é demasiado para mim
(roubo o verso ao Belo porque nele me implico)
e, ainda assim,
o que “Tudo” é?
A totalidade das coisas que me aconteceram,
os gestos terrivelmente angustiadamente importantes que lavramos
ou aquilo que gira à nossa volta e não possuímos.
Morrem as caras mas tudo continua a girar
na imperturbável desarmonia das impressões;
a apóstrofe gasta do vento
na ginástica localizada do poeta,
uma aragem calidamente austera
o cicio dos deuses minúsculos e engasgados da nossa era.
Sorvo as mensagens do ecrã do telemóvel
como lira seminal que fecundasse a
girl next door
dos anúncios da minha rua.
Deito tarde os sentidos
na estesia dos sonos (in)dormidos.
Naquela euforia da acção estática
marco um golo por entre as dobras de Morfeu
(o mais hábil imitador da figura humana)
Quem? Eu?
Dessorado na hora da plenipotenciária afirmação do eu rugidor,
escuto-os:
Acção afirmativa de yuppies de refugo,
um rebotalho sem massa passeando-se, flavo,
em avenidas de azul.
Nada.
Todo um programa de anulação simbólica acontece por aqui.
Ninguém anuncia o fim dos tempos.
O mundo é eterno,
sabe-se do alto dos guindastes;
o vento gemendo operários
os operários gemendo cidades.
A palavra é uma agulha tão fina,
tão perfeita na sua brevidade.
Um segundo a mais e é silêncio. Morte.
O que é o mundo?
Como pode findar o que nunca foi verdadeiramente?
Estado de desânimo.
Figura jacente.
Ó insensatas corolas,
casas murchas de verão.
Sei que irei com a inflação dos pés atapetados
num cortejo mudo de almas migrantes desaguadas
em mares idílicos de ousada perdição.
Em Deus amortalhados, insinuamo-nos.
Vida Morte
Vultos.
A penitente fixidez dos adiados.
Soubera eu administrar sabiamente
as pétalas que guardo cá dentro.