Saberão alguns de seus habitantes que sob
o céu de Belém nasceu Ismael Nery?

Ney Ferraz Paiva
Revista Caliban issn_0000311
2 min readMay 23, 2018

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Por Murilo Mendes

Palace Theatre, no Grande Hotel em Belém, local em que Ismael Nery expôs em 1929.

Ismael Nery permaneceu em Belém do Pará só até a idade de nove anos, mas guardou sempre a nostalgia da cidade natal. Apesar de sua vocação universalista, sentia-se bem brasileiro, mas o homem brasileiro e o universal jamais se chocaram. Em Ismael tudo se encarnava e assumia autenticidade. Ele era do mundo, do Brasil e de Belém. Não sei se a cidade ainda é hoje como ele ma descrevia. O ambiente de Belém da sua infância influiu de modo poderoso na sua formação. Dizia-me sempre que lá as coisas eram sublinhadas, apresentavam características e relevos fortes, tinham cor, peso e sabor. No seu tempo de menino ainda presenciara muitas vezes o costume oriental de se oferecer banho de cheiro aos visitantes. Havia um verdadeiro culto das essências, resinas e raízes aromáticas. As comidas e bebidas eram terrivelmente excitantes. (Durante muitos anos recebeu em casa “estoques” das mesmas, que fazia questão de dar a conhecer aos amigos.) Nada era insosso no Pará, dizia ele — a começar pelas pessoas… A atmosfera da capital paraense, segundo relatos de Ismael, era muito poética. Tendo deixado alguns traços em seus desenhos. Ele me falava de seus passeios pelo cais, vestido de marinheiro (como numa preciosa fotografia de 1908), ou então nesses lugares de nomes sugestivos, que Mário de Andrade haveria de empregar em certas poesias — Marco da Légua, Marco da Viração; ou ainda no Ver-o-Peso, com a sua centena de barcos coloridos; no Museu Goeldi, no Castelo, nas largas avenidas plantadas de mangueiras… Existirão ainda esses lugares e esses passeios? Nunca fui a Belém do Pará, que, segundo me dizem, está hoje bastante desleixada pelos poderes públicos, sem luz, com ingentes problemas de organização. Saberão alguns de seus habitantes que sob o céu de Belém nasceu Ismael Nery?

Murilo Mendes, O Estado de São Paulo, 15/9/1948.
Ismael Nery, Resignação diante do irreparável, guache, s. d.

Imagem e legenda retiradas do blog Amazônia Contemporânea http://amazoniacontemporanea.blogspot.com.br/2008/06/artistas-paraenses-1800-2008.html

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