Poemas Uma Conversa

Ed Caliban
Revista Caliban issn_0000311
2 min readMar 23, 2020

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Por Gabriela Sobral

Elza Lima, Ilha do amor, Mosqueiro, 1990

Manifesto pela Obviedade

Buscamos comunicação integral

doc., text., não completam uma palavra

Já estruturamos o direito ao onírico

ao grito

a um nariz que nos coubesse

e a pretensão de uma humanização em artigos

Revisamos nossas formas

Como se renascer fosse possibilidade

Não é.

Manifestos redigidos por afetação

quem dera fosse paixão

Qualquer obviedade, agora, é sobrevivência

Clamamos, a partir de então:

o Manifesto pela Obviedade.

.

Daqui deste buraco

com algumas plantas, algumas madeiras

repetir os materiais reconhecíveis

O primeiro ato é a toca consciente de nossas mãos

os acertos infantis para o consenso

Precisamos formatar sem exigências

Construir como manuais navais

Todo cuidado com a primeira matéria:

Não repetir o que somos — os restos.

Praça dos Estivadores

Eu preciso catalogar as palavras que digam

com autorização semântica:

gosto de água, em temperatura fria, caindo na testa

na praça dos estivadores.

.

Que palavra é essa que vai abrir uma rachadura

e fazer aparente todos os filhos da terra.

Se eu acho essa palavra

pego ela na unha.

Pau Amarelo

Numa decisão química

fiz nosso apagamento

Eu não preciso mais completar tuas frases

resolver histórias soltas e repetidas,

ordenando-as,

para que no final do dia

tenhas um esquema gigante

de como ensinar ao mundo

a gravidade das empatias.

.

Não é mais permitido que rogues

por teus objetos

como se eu fosse uma santa a quem se recorre

Serás, agora, tu

a filha perdida

Só enxergarás uma cadeira sem frente

e quando tiveres sorte

será possível,

estando um pouco de lado

olhar uma senhora de pau e pedra,

assentindo

que ainda és

reconhecível.

-

Nasço de um relato sem importância

sobre retratos de coloração roxa

Né nada né nada nasço berrante.

SOBRE A AUTORA

Gabriela Sobral é escritora, jornalista e gestora de projetos. Formou-se em jornalismo e concluiu o mestrado em Preservação do Patrimônio Cultural pelo IPHAN. Imergiu na literatura com a mediação do clube literário Leia Mulheres, na cidade de Belém, e o projeto “Imaginárias — Um encontro entre narrativas imagéticas e literárias — com referência no trabalho de escritoras”, na Ilha do Marajó, contemplado pelo Prêmio de Experimentação, Pesquisa e Difusão Artística da Fundação Cultural do Pará — ambos em 2016. Lançou, em 2017, seu primeiro livro de poesias, Caranguejo, pela Editora Patuá (2017). Já morou nas cidades de Belém, Soure, Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro. Na capital carioca, produziu a Bancada, feira de publicações independentes e artes gráficas (2019). No momento, atua em projetos de cultura e comunicação no Rio.

CAPA ORIGINAL

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