Paul Celan, a experiência do limite da linguagem

Ed Caliban
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13 min readNov 12, 2017

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Paul Celan

Maria João Cantinho

O poema, sendo como é uma forma de aparição da linguagem, é por isso de essência dialógica, o poema pode ser uma garrafa lançada ao mar, abandonada à esperança — decerto muitas vezes ténue — de poder um dia ser recolhida numa qualquer praia, talvez na praia do coração. Também neste sentido os poemas são um caminho: encaminham-se para um destino (…) para um lugar aberto, para um tu intocável…

Paul Celan, “texto de agradecimento do primeiro prémio recebido, em Bremen”, 1958, in Arte Poética — Meridiano e outros textos, ed. Cotovia, Lisboa, 1996.

Conhecedora da língua e da cultura alemãs, onde viveu durante dez anos da sua vida, enquanto leitora do Instituto Camões e estudante, Gilda é também uma reconhecida tradutora de Thomas Mann, de Hoffmansthal, de Marx e Habermas, de Musil. É preciso não esquecer, no entanto, que traduzir prosa é muito diferente de traduzir poesia, nesse esforço de captar o universo denso e difícil da poética celaniana. Dessa experiência fala-nos Gilda, familiarizada com o universo celaniano, já que a sua tese de doutoramento foi precisamente sobre a sua obra, intitulada “O Diálogo na Poesia de Celan”. Já haviam sido traduzidos, por João Barrento e Yvette Centeno, quase todos os ciclos de poemas que aqui se encontram, à excepção do último, “Sóis em Fio”. Há muito que as traduções se encontram esgotadas e a tradução de Gilda vem preencher uma lacuna, mais ainda porque sairá em breve a continuação da tradução da obra poética completa de Celan. Ressalto ainda o excelente posfácio da tradutora sobre a antologia.

Paul Antschel nasceu em 23 de Novembro de 1920, em Czernowicz, Bucovina (naquela época era uma cidade romena e actualmente pertence à Ucrânia). Filho único, Paul tem, desde cedo, o objectivo de ir para França estudar. E, de facto, parte em 1938, mantendo-se dois anos em Tours, a estudar medicina. É dessa data que nascem os primeiros poemas. Ela dá conta de um jovem ávido e iconoclasta, de cultura vasta e interesses vários e que defende corajosamente os seus ideais. As leituras de Marx e de Nietzsche, a par da poesia alemã, sobretudo Hölderlin e Rilke, mas também Goethe e Schiller, Heine, Trakl, Kafka, Hofmannsthal, entre muitos outros, de que Gilda nos dará conta, desenvolveram no poeta um gosto pela política e pela literatura. Para o grupo de jovens que acompanhavam Celan, a língua francesa “era a mais bela língua do mundo” (Silbermann 2001, 10). Liam Mallarmé, Valéry, Apollinaire, Baudelaire. Paul traduziu também sonetos de Shakespeare, poemas de Yeats, Apollinaire, Emily Dickinson, Artaud, Gérard de Nerval, Rimbaud, entre muitos outros, pois era conhecedor de sete línguas. Foi por esta via que chegou à poesia, privilegiando a sobriedade da poesia e suspeitando sempre da poetização do real, isto é, do seu embelezamento artificial.

Em 1940, começou a estudar russo e, nessa altura, começa a traduzir a poesia de Sergeï Lessenine. A armada vermelha ocupa, entretanto, a sua cidade. Durante esse período, que vai de 1940 a 1941 (aquando das ofensivas de Hitler e recuo dos russos), os judeus não ousavam mostrar-se e revelar a sua religião, os seus costumes. Todavia, o irreverente Paul Antschel não se escondia e afrontava corajosamente esse medo.

É, no entanto, a partir de 1941 que os judeus são “empurrados” para o gueto, pelos alemães. E em 1942, num dia em que ele sai miraculosamente de casa, antecipando o perigo, refugia-se, graças à ajuda da sua amiga Ruth Lackner, numa fábrica de cosméticos, aguardando a chegada dos seus pais. Porém, a mãe de Paul negou-se a fugir, dizendo-lhe: “Não podemos escapar ao nosso destino”. Foram presos e levados para um campo de concentração e, no espaço de alguns meses, ambos morreram: o pai de tifo e a mãe com um tiro na nuca.

Pouco tempo depois, o próprio Celan alista-se num campo, em Tabaresti, na Roménia, onde se sente mais seguro do que na sua cidade. O trabalho duro que aí realizava deixava-lhe tempo, porém, para ler e escrever, para traduzir, vivenciando a miséria, o desastre e a destruição, à sua volta. Temas como “a morte na neve” serão um dos mais recorrentes da sua obra poética, testemunhando a tragédia dos judeus e, sobretudo, a dor da morte dos seus pais. O frio glacial, as pegadas e vestígios que se dissipam na neve são essas tantas formas de exprimir a morte, metáforas que se apresentam de modo constante na sua poesia.

Com a derrota dos alemães, em 1943, Paul regressou a Czernowitz. Na Primavera, os soviéticos entravam, pela segunda vez, na sua cidade. Paul avistava um novo período menos cruel. Evitou, por essa altura, a entrada no exército russo, com alguma ajuda, pois a guerra ainda não havia terminado. Em compensação, trabalhou como ajudante numa clínica psiquiátrica, onde se encarregava de tratar os soldados soviéticos com feridas na cabeça e em estado de choque. Traduzia para ucraniano, num periódico local. Reuniu, nessa época, um conjunto de 93 poemas dactilografados e entregou uma outra colecção escrita à mão à sua amiga Ruth Lackner, para que ela os fizesse chegar a Bucareste e os entregasse ao poeta Alfred Magul-Sperber. No Outono de 1944 retoma os seus estudos de inglês e entregou-se à leitura de escritores hebreus, de carácter místico e filosófico, como Rosenzweig, Martin Buber, Hermann Cohen, Walter Benjamin, Kafka, entre outros, cuja presença ressuma na sua obra.

Após o término da guerra, alguns deportados voltaram dos campos e, entre eles, encontrava-se o seu amigo, o poeta Immanuel Weiglass (Silbermann 2001, 12, 13). Nessa época, Paul supunha que o seu tio, Bruno Schrager, tinha ficado em Paris, mas veio a constatar que o seu nome constava dos desaparecidos em Auschwitz, o que veio reacender o seu trauma. Começou, então, a escrever a primeira versão do poema “Fuga da Morte”, Todesfuge, o poema que o celebrizou e que tantos dissabores lhe traria, na polémica com o filósofo Theodor Adorno. Teve uma primeira publicação, em língua romena, no número de Maio de 1947, numa revista de Bucareste, Agora, graças à tradução do seu amigo Petre Solomon. Paul Antschel muda, então, o seu nome de Antschel para o anagrama Celan, que viria a conservar ao longo de toda a sua vida. Nesse ano de 1947, Celan saíu do seu país, indo viver para Viena e, a partir de 1948, mudou-se definitivamente para Paris. Nesse breve período da sua estadia em Viena conhece a jovem escritora Ingeborg Bachmann, com a qual tem um breve namoro, mas essa relação amorosa manter-se-á ao longo de toda a sua vida, tendo sido marcante para a escrita de ambos.

Ingeborg Bachmann e Paul Celan

Em 2008 foi publicada na Alemanha a correspondência entre ambos, testemunho dessa bela história de amor, mas também um manancial riquíssimo para o estudo da obra dos dois escritores. Em 1951, Paul Celan conhece aquela que será a sua esposa, Gisèle Lestrange, em 1952. Tem dois filhos desta relação, François, que morreu logo após o seu nascimento, e Eric, que reside em Paris. O seu temperamento difícil e os seus problemas psíquicos tornaram-lhe a vida muito dolorosa, pelos internamentos sucessivos em clínicas psiquiátricas, pelas tentativas de suicídio e, até, de homicídio. Também a célebre acusação de plágio de Yvan Goll o conduziu a um estado de isolamento cada vez maior e a uma alienação progressiva, que teria como desfecho o seu suicídio em 1970, em que se atirou ao Rio Sena. Este acontecimento deu-se três anos após o encontro com Heidegger, na sua cabana na Floresta Negra. Celan e Heidegger admiravam-se mutuamente e o poema “Todtnauberg” foi o testemunho desse encontro, em que Heidegger manteve o seu silêncio sobre o Holocausto, impossível de compreender para o poeta.

Um dos grandes temas da poética celaniana prende-se justamente com o problema da língua alemã. A língua em que Celan escrevia era a alemã, a mesma que os “mestres da morte” usavam. Essa terrível contradição — a de escrever numa língua que era a da sua mãe e também a dos seus carrascos — ocupava-lhe permanentemente o espírito e transformou-se numa das suas obsessões fundamentais e que se exprime da forma mais intensa na sua poesia, introduzindo nela uma profunda crispação.

A experiência do limite da linguagem, de que tão bem falam Steiner, Agamben, Blanchot e Bollack, aproxima Celan da experiência poética de Hölderlin[1], também ele no limiar do perigo. Ainda a esse propósito, cito o estudo de António Guerreiro, consagrado a Celan, “Paul Celan e o Testemunho Impossível” , em que Guerreiro fala na tarefa trágica da poesia de Celan, definindo-a como o “limiar do emudecimento” (Guerreiro 2000, 31). No seu texto Arte Poética, Meridiano e outros textos, Paul Celan cruza o seu pensamento com o de Heidegger e Levinas, numa tentativa de (re)definição do “ser do poema”, que nos remete para a dificuldade do poeta. “O poema mostra, e isso é indesmentível, uma forte tendência para o emudecimento.” (Guerreiro 2000, 56). Nesse texto, extraordinário pela sua clareza, Celan dá conta da natureza da poesia. O poeta é dominado por esse pathos que é a experiência da linguagem, naquilo que nela confina — e com ela se entrelaça, obviamente — com a existência da realidade. António Guerreiro sublinha-o, dizendo: “E porque essa língua não está disponível desde logo, não existe senão através da experiência que leva o poeta ao encontro dela, ela é única.” Celan recusa, aqui, a ideia de uma correspondência poema-realidade, o que nos conduziria, aos seus olhos, a uma visão mimética e empobrecida da realidade. O poeta é o que luta por ir, com os meios de que dispõe, ao encontro da realidade, através da linguagem.

Por outro lado, a ideia de univocidade do poema caminha, par a par, com a afirmação anterior. Essa ideia da univocidade do poema apresenta-se quando o poeta afirma: “O poema é solitário. É solitário e vai a caminho. Quem o escreve torna-se parte integrante dele.” (Celan, Arte e Poética. O Meridiano e Outros Textos 1996, 57). Aquele que escreve — o poeta — e o poema escrito, embora sejam realidades díspares, na sua essência, confundem-se numa outra realidade, que é a do poema. Esse ir a caminho do outro é o que define a sua natureza dialógica, isto é, transforma-o num diálogo e, muitas vezes, como reconhece o poeta, “um diálogo desesperado” (Celan, Arte e Poética. O Meridiano e Outros Textos 1996, 57), mas que “aponta para um espaço aberto e vazio e livre” (p. 58), evocando uma dimensão utópica.

Deste modo, tempo e poesia encontram a sua articulação no topos do poema e essa temporalidade é, na sua expressão mais vívida, a experiência da linguagem, no sentido em que o poeta “vai ao encontro da língua com a sua existência, ferido de realidade e em busca de realidade.” (Celan, Arte e Poética. O Meridiano e Outros Textos 1996, 34). Como quem lança uma mensagem numa garrafa, dirigindo-se essencialmente a um “tu apostrofável”, o tempo do poema confunde-se com o daquele que o escreve, como o afirma Celan, absorvendo-o (Celan, Arte e Poética. O Meridiano e Outros Textos 1996, 57), mas sustenta-se na frágil linha que se liga ao Outro, lugar onde o Eu se dissipa, libertando-se de si próprio.

Neste modo de pensar reconhecemos o próprio pensamento de Levinas, entendendo-se o poema, não apenas como o tempo da “respiração” (Celan, Arte e Poética. O Meridiano e Outros Textos 1996, 54), como também o da direcção, o pôr-se a caminho do Outro, “falar em nome de um Outro, quem sabe se em nome de um radicalmente Outro.” (p. 55). No vaivém do Eu para o Outro, o poema auto-sustenta-se na velocidade da respiração ou caminho, através da linguagem. Peter Szondi, amigo de Celan, compreendeu bem essa tripla e essencial função do poema, que ele tão bem analisou em vários dos seus poemas: “linguagem como figura, direcção e respiração.”

Esta caminhada para o Outro corresponde a um reconhecimento do instante desse encontro e as ressonâncias que, aqui, se ouvem, além de Adorno, evocam, também, Schleiermacher, Levinas, Martin Buber e Rosenzweig. Esse instante que João Barrento designa por uma “imperceptível mudança de respiração”, é o que atesta uma escuta do Outro e do mundo, dando-se num lugar que é já um impossível caminho, para parafrasear a expressão de Celan (Celan, Arte e Poética. O Meridiano e Outros Textos 1996, 67), onde as utopias se transformam no “impossível caminho”.

“O impossível caminho de encontro ao outro” constitui-se, assim, como o paradoxo — e, enquanto tal, é também a condição da poética celaniana. J. Barrento, no seu posfácio ao texto de “O Meridiano” (Celan, Arte e Poética. O Meridiano e Outros Textos 1996, 80) defende que a ancoragem da sua poética já não é o romantismo nem a ontologia de Heidegger, “em que a figura do «Autêntico» tem ainda um papel central.” Quando, nesse contexto da relação com o Outro e na caminhada para ele, Celan fala do poema autêntico, ele afirma: “Só mãos verdadeiras escrevem poemas verdadeiros. Não vejo nenhuma diferença de princípio entre um aperto de mão e um poema.” O poema, de acordo com Celan, na sua obscuridade e complexidade, é autêntico. O ofício do poeta constitui-se a condição necessária da verdade e do caminho para o Outro. A relação que Celan, na alocução a Hans Bender, estabelece entre “ofício de mãos” e “construção do poema” revela, também, a íntima articulação existente entre a realidade e a poesia.

O espaço da poesia celaniana, como o compreendeu muito bem Yvette Centeno, no seu prefácio à tradução a “Sete Rosas Mais Tarde” é o do silêncio: “Com Paul Celan habitamos o silêncio. O silêncio do tempo, o silêncio do espaço entre as palavras” (Celan, Sete Rosas Mais Tarde 1993, 25). Mas este silêncio não se situa no coração da plenitude e sim no domínio do exílio, do fragmento, da impotência e do absurdo da existência humana. É um mundo de desespero e de ausência de amor, de uma procura de redenção, que aí ressuma, nessa aspiração utópica. Uma irreversível fractura persiste, contaminando tudo. E a poesia de Celan é o lamento ou o requiem por um mundo devastado. O que nos sobra são as testemunhas impassíveis e silenciosas, que se exprimem nas metáforas recorrentes: as árvores, a neve, onde se dissipam as pegadas dos que nela pereceram, um olho (o olho do tempo) cego e que nada vê nem nada reflecte, o cabelo que sobrou, as cinzas.

Na sua procura de silêncio, a palavra poética sofre a erosão e a degradação, desarticula-se, torna-se inerte e o sentido morre, dando lugar ao absurdo. Perde, assim, a sua organicidade, numa implosão que a desintegra. O desespero fala mais alto e não existe para o homem, neste mundo, qualquer redenção possível nem nenhuma lei salvadora. E não é por acaso que Celan vê em Ossip Mandelstam (poeta vencido pela história, morto nos campos gelados da Sibéria) e na sua personalidade uma profunda coincidência com a sua poética e a sua própria tragédia. Por essa mesma razão, ele saiu profundamente ferido pela afirmação de Adorno, a de que não era possível escrever poesia após Auschwitz. Numa carta que Celan escreve a familiares, residentes em Israel, datada de 1948 e citada por John Felstiner, Celan afirma: “Não há nada no mundo que possa levar um poeta a deixar de escrever, nem mesmo o facto de ser judeu e o alemão a língua dos seus poemas.”

Após a célebre polémica em que Adorno criticava Celan (Adorno, Teoria Estética s/d, 354), ele compreendeu claramente que o sofrimento não suporta o esquecimento e consagrou uma parte da sua Teoria Estética ao que considera “o mais significativo representante do hermetismo da lírica contemporânea” (Guerreiro 2000, 44). Porém, ele retoma o tema do hermetismo celaniano[2], dizendo que a “opacidade” da poesia de Celan adquire uma transparência que tem a sua génese na vergonha da dor e na impossibilidade de dizer o horror. O silêncio dos poemas de Celan, na sua óptica, atinge o seu paroxismo precisamente porque eles querem dizer o horror extremo. O poema, para Celan, “não transfigura, não poetiza”, desconfia do “belo”, como o diz na sua “Resposta a um inquérito da Librairie Flinker, Paris” (1958) (Celan, Arte e Poética. O Meridiano e Outros Textos 1996, 29). É necessário, para entrar neste universo, onde as palavras exprimem o horror sem o embelezar, fazer um exercício de abstracção sobre a poética de Celan, fechada sobre si.

A poesia não se limita à descrição dos factos e a testemunhá-los, ainda que haja (como o defende Celan) uma relação directa com os acontecimentos. Ela opera sobre a matéria um efeito criativo, que faz nascer uma outra realidade. Uma autonomia subsiste no coração desta transformação, que permite os elementos conheçam uma nova ordem, uma ordem de pertença, num outro contexto, na linguagem. Esse modo de operar exige uma reinversão da própria linguagem, uma “ruptura” com a linguagem no seu sentido convencional, de que trata tão bem Bollack, na sua obra Poésie contre Poésie. A vida de Celan mediu-se pela areia da linguagem, que lhe escorria entre os dedos, intangível realidade ou devastada paisagem, para sempre perdida. A sua recusa do lirismo (que Adorno não terá compreendido, inicialmente) está relacionada com a recusa da ilusão, com o imperativo ético de fincar a poesia na realidade. Ironicamente, para aquele que recusava o lirismo, a sua única forma de habitar a linguagem radicava na experiência poética e, por isso mesmo, recusava a narrativa e a ficção, que considerava como uma espécie de degradação da linguagem. Aqui, a contradição atinge o seu clímax. A poesia é o espelho cego de uma experiência traumática e insustentável, mas que se deseja na sua pureza, na transparência e na dizibilidade possível da linguagem. Ela, poesia, é vivida como “experiência-limite”, à qual Celan sucumbirá, no próprio plano da existência.

Poética claramente alegórica, ela nasce do (re)conhecimento da violência que habita o cerne das coisas, essa visão do dente da morte, roendo tudo o que vive. No poema “A morte é uma flor”, Celan alegoriza a morte através da imagem de uma flor, uma flor que “só abre uma vez”. Trata-se de um mundo de uma beleza terrível, onde os mortos “brotam e florescem”. Morrem para a vida, florescendo para a linguagem poética, a única capaz de resgatar a experiência do horror. É, pois, um arrepio de assombro o que nos percorre, diante dessa despedida. O contraste da beleza do verso “E vem, grande mariposa, adornando caules ondulantes” com a iminência da morte confere-lhe esse tom pungente. E é nesta violência lírica da palavra que se ateia o esplendor da sua poesia de Celan, sob o negro sol da melancolia.

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