Horas… e horas…

Luís de Barreiros Tavares
Revista Caliban issn_0000311
4 min readApr 30, 2024

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Frame de “Metrópolis” (1927) — Fritz Lang

“Nada: isto é, que já não há mundo, mas a linguagem permanece (este é, pensando bem, o único significado do termo ‘nada’ — que a linguagem destrói, como está fazendo, o mundo, acreditando que pode sobreviver a ele).”

“Niente: cioè che al limite non ci sia più il mondo, ma resti il linguaggio (questo è, a ben pensarci, il solo significato del termine ‘nulla’ — che il linguaggio distrugga, come sta facendo, il mondo, credendo di potergli sopravvivere).”

Giorgio Agamben, “Dio, uomo, animale”

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Segunda-feira — 04/03/2024

A torrencialidade das imagens, das informações e das palavras, nos nossos dias, será um mero sinal de superficialidade e de exterioridade? Não, é principalmente um sinal de interioridade enclausurante. Estamos, precisamente, mergulhados nessa torrente, internalizados. Mas sem nos darmos conta. Criticamos a exterioridade e a superficialidade, mas talvez não nos dêmos suficientemente conta de que é a clausura que contribui para elas.

O acompanhamento pelicular e deslizante dos acontecimentos e das notícias no dia-a-dia. Informações descartáveis a toda a hora, e renováveis a toda a hora. Tudo isto na ilusão de um presente que dura e, ao mesmo tempo, se actualiza em mutação, numa ideia de que tudo decorre apenas e exclusivamente em função disso.

O mesmo para a aceleração. Esta contribui para uma espécie de congelamento do tempo, onde um tédio triste nos envolve, como um presente desencantado. A colisão e o choque, paragens abruptas, provêm em grande medida da aceleração.

Também as crises psíquicas, burnouts, etc., são fruto de lentidões, rupturas e choques no âmago das acelerações. Ritmos variados, de abrandamentos e variações que circulam nas ditas acelerações que mais não são do que movimentos mais à vista.

Sexta-feira — 08/03/2024

Na verdade, estas mais não são do que aparências à primeira vista e à primeira impressão. Guardam nelas, como dissemos múltiplos riscos e mudanças de ritmos não acompanhados e desfasados. Precisamente, eles desconcertam, por dentro, ou subterraneamente a estrutura imediata, aparente e superficial da aceleração. Quer dizer, alguns movimentos são lentos mas perigosos; movimentos no meio da velocidade em aceleração.

Como a onda um pouco imperceptível de certos tsunamis.

Alguns movimentos são bons, pois o ímpeto e o élan, entre outros, podem trazer também aberturas de novos caminhos. Mas são muitos e múltiplos.

Como já dissemos num outro lugar, Byung-Chul Han não tem em conta este factor que assinalámos: os ritmos lentos e nefastos, mesmo potencialmente trágicos e fatais a vários títulos. Ritmos e movimentos subjacentes às acelerações e aos excedentes de velocidade mais à vista. Do nosso ponto de vista, todo este contexto conduz também às patologias que Han elenca na sua caracterização do cansaço na nossa “sociedade da produção”: “a depressão, transtorno por défice de atenção e hiperactividade (TDAH) ou certas perturbações da personalidade — transtorno de personalidade borderline (TPB) ou síndrome de burnout (SB)” (A Sociedade do Cansaço, Rel. D’Água, p. 10 — ver a ligação do nosso artigo em baixo: “O abrandamento da aceleração…”)

Sem dúvida que estas estruturas e ritmos ligam-se à vertigem e à lógica do capitalismo, ou capitalismo selvagem.

Quarta-feira — 13/03/2024

Agamben escreve em “Mentre” (Enquanto)

“E il tempo che viviamo non è la fuga astratta e affannosa degli inafferrabili istanti: è questo semplice, immobile «mentre», in cui sempre già senza accorgercene siamo — la nostra spicciola eternità, che nessun affranto orologio potrà mai misurare.”

“E o tempo em que vivemos não é a fuga abstracta e sem fôlego de instantes inalcançáveis: é este simples, imóvel ‘enquanto’, nos quais sempre já estamos sem nos apercebermos — a nossa pequena eternidade, que nenhum relógio perturbado poderá medir.”

Agamben — 14/03/2024

https://www.quodlibet.it/giorgio-agamben-mentre

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“Em deus, homem, animal”, Agamben cita Kirilov em Os Demónios, de Dostoiévski:

“Se Dio c’è, io sono Dio… Se Dio c’è, tutta la volontà è sua e io non posso sottrarmi alla sua volontà. Se Dio non c’è, tutta la volontà è mia e sono costretto ad affermare il mio libero arbitrio… Sono obbligato a spararmi, perché l’espressione più piena del mio libero arbitrio è uccidere me stesso.”

“Se Deus existe, eu sou Deus… Se Deus existe, toda a vontade é sua e não posso subtrair-me a ela. Se Deus não existe, toda a vontade é minha e sou forçado a afirmar o meu livre arbítrio… Sou obrigado a disparar contra mim, porque a mais plena expressão do meu livre arbítrio é matar-me.”

Agamben — 18/03/2024

https://www.quodlibet.it/giorgio-agamben-dio-uomo-animale

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Quarta-feira — 21/03/2024

“porque a mais plena expressão do meu livre arbítrio é matar-me.”

Sim, é preciso ter muito cuidado com a tentação da humanidade para o autoaniquilamento, o qual supostamente se pode tecnicamente assistir.

Frame de “Metrópolis” (1927) — Fritz Lang
  • * As traduções do italiano são nossas.

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