Evocando o filósofo Fernando Belo (1933–2018) — “Lecture matérialiste de l’évangile de Marc” — 1974

Luís de Barreiros Tavares
Revista Caliban issn_0000311
8 min readFeb 17, 2019

--

Fernando Belo (2013)— fotografia de LBT

Uma nota relevante sobre Fernando Belo que tem passado praticamente despercebida…

O texto aqui publicado foi recolhido do blogue de Fernando Belo Filosofia mais Ciências 2 (2 de Novembro de 2014): https://filosofiamaisciencias2.blogspot.com/search?q=marc

Aproveitamos para indicar um evento que se realizou no dia 16 de Fevereiro de 2019: o lançamento de dois livros de Belo — Compreender é um Espanto e Seja um Texto de Paixão (ver cartaz no final deste artigo).

A leitura da Bíblia como parte de uma praxis política

“É uma honra incrível aparecer o meu livro publicado 35 anos antes entre estes grandes exegetas, a maioria de língua alemã, Wellhausen, Buber, Bultmann, K. Barth, von Rad…” (Fernando Belo)

Lecture matérialiste de l’évangile de Marc, Récit, pratique, idéologie, Cerf, 1974.

Thomas Staubli (org.), Wer knackt den Code ? Meilensteine der Bibelforschung. 50 Porträts, Patmos, 2009, Dusseldorf

[Quem é capaz de decifrar o código ? Grandes marcos da investigação bíblica. 50 retratos)

[Qui peut déchiffrer le code? Grandes pierres de la recherche biblique]

O título deve ser uma alusão ao Código Da Vinci, trata-se duma maneira de exegetas universitários alemães e suíços tomarem posição sobre como ler a Bíblia num texto de divulgação para o grande público. Abre com um texto de Thomas Staubli de 30 páginas que recapitula 2 séculos de investigação bíblica, o qual, coadjuvado por mais 6 investigadores, apresenta em seguida, em duas páginas cada, 50 obras significativas desse percurso, na esmagadora maioria de língua alemã. É claro que se encontram lá todos os grandes, Wellhausen, Gunkel, Buber, Bultmann, Barth, von Rad, de Vaux, Aland, etc.

Ora, entre eles, nas pp. 106–7, figura a minha Lecture matérialiste de l’évangile de Marc, Récit, pratique, idéologie, Cerf, 1974, traduzida em espanhol, alemão e inglês (NY), o que, 35 anos após a sua publicação, me dá mais contentamento do que qualquer prémio ou medalha, já que se trata de exegetas alemães actuais (todos nascidos, excepto um, entre 1958 e 1977) que avaliam as inovações surgidas na sua disciplina no século XX. É uma honra incrível aparecer o meu livro publicado 35 anos antes entre estes grandes exegeta, a maioria de língua alemã, Wellhausen, Buber, Bultmann, K. Barth, von Rad…

TRADUZINDO:

Fernando Belo (n. 1933) “C/X — A leitura da Bíblia como parte de uma praxis política

Será que a crença cristã, tal como resulta da Bíblia, é uma ideologia que contraria uma prática política libertadora? Que textos é que nos impedem a descoberta do Evangelho dos Pobres?

“C by X” — foi este o programa provocador de Fernando Belo: o Evangelho de Marcos (francês Marc) pode ser lido conforme Marx! Abrem-se, desta forma e completamente, novos horizontes e interrogações!

Uma leitura da bíblia baseada em Karl Marx parece, à primeira vista, bastante paradoxal.

Só que Belo apoia a sua abordagem não só em Marx, mas também no estruturalismo francês e na psicanálise. O seu livro reflecte a singular situação de uma Europa em novo começo, determinado pelas transformações fundamentais do Concílio Vaticano II, do advento da Teologia da Libertação, da Conferência Mundial sobre Igreja e Sociedade (Genebra 1966), da decisão do Concelho Mundial das Igrejas de lançar, em 1969, um programa contra o racismo, ao mesmo tempo que acontece a rebelião estudantil de 1968, com o aparecimento das suas esperanças utópicas e sociais.

Os anos 60 foram, na Europa, uma década de desenvolvimento tenso, que conduziu a que as injustiças sociais, económicas, políticas e as do racismo fossem empurradas para a agenda das igrejas. Neste contexto, e na Europa Ocidental, desenvolveram-se novas formas de ler a Bíblia, que se designaram por “concretismo”, “política”, “sócio-histórica”, “não-idealista” ou “materialista”.

Belo adoptou a designação “leitura materialista”, que significa, em primeira linha, o contrário de “idealista” ou seja: uma leitura não individualista, não abstracta, não transcendente, mas que resulta da interpretação compreensiva resultante da realidade vivida através das estruturas económicas, políticas e sociais e das lutas contra a opressão, exploração, discriminação, etc.

Enquanto que a sua leitura encontrou grande aceitação na Europa, praticamente não deu passos no espaço dos EUA: “no geral, o estudo bíblico ficou prisioneiro das preocupações privadas e medos dos cristãos — enquanto que o nosso mundo pende de uma cruz imperialista, de violência e de exploração” (Ched Myers, 1988).

Fernando Belo nasceu em Lisboa, em 1933. O seu grande interesse por questões sociais, levou-o a licenciar-se em engenharia civil e à leitura de Karl Marx. Em 1968 concluiu os seus estudos de Teologia Católica numa Paris abalada pela luta estudantil. O seu interesse pela reforma social, pelo marxismo, pelas utopias sociais e pela renovação teológica fez com que os combinasse através dos métodos estruturalistas da análise dos códigos de linguagem, desenvolvendo, assim, uma nova abordagem dos textos bíblicos. O seu importante comentário ao evangelho de Marcos, “Leitura materialista do Evangelho de Marcos” foi publicado em 1974. A obra foi traduzida em espanhol, alemão e inglês. Em 1977, Belo recebeu o doutoramento “honoris causa” pelo “Instituto Protestante”, em Paris.

Depois do golpe de esquerda (a “Revolução dos Cravos”), que propiciou, após os tempos da ditadura, a lenta abertura do país, o ex-padre, já casado, regressou a Portugal, vindo do seu exílio francês. Até se jubilar, ensinou, como professor, Filosofia da linguagem na Universidade de Lisboa.

Fernando Belo, Leitura materialista do Evangelho de S. Marcos, Stutgart 1980

Ched Myers, Binding the Strong Man. A Political Reading of Mark’s Story of Jesus. New York 1988

Thomas Staubli (Herausgeber), Wer knackt den Code? Meilensteine der Bibelforschung 50 Porträts, Patmos, 2009, Dusseldorf

[Quem é capaz de decifrar o código ? Grandes marcos da investigação bíblica. 50 retratos]

Referência a Fernando Belo no Nº 30 do índice

Inhalt [conteúdo]

Vorwort 9

Einleitung 11

Meilensteine der Bibelforschung — 50 Porträts 41

1 Wilhelm Martin Leberecht de Wette

Ahnvater der historischen Bibelforschung 43

2 Julius Wellhausen

Der Bahnbrecher 45

3 Bernhard Duhm

Vom Beginn der geistigen Weltgeschichte 47

4 Gustaf Dahnan

Pionier der biblischen Ethnoarchäologie 49

5 Hermann Gunkel

Mitgründer der Religionsgeschichtlichen Schule 51

6 Leonhard Ragaz

Pionier der kontextuellen Bibeldeutung 54

7 Martin Buber

Religionsphilosoph, Linkszionist und genialer Bibelübersetzer 56

8 Hedwig Jahnow

Frauenpionierin in der alttestamentlichen Wissenschaft 58

9 Albrecht Alt

Der Gott der Väter 60

10 Rudolf Bultmann

Entmythologisierung des Neuen Testaments

und Christusverkündigung 62

11 Sigmund Mowinckel

Altorientalischer Kult als Sinnhorizont für biblische Texte 65

12 Karl Barth

Römerbrief-Kommentar und dialektische

Theologie 67

Bibliografische Informationen

http://d-nb.info/991116208 digitalisiert durch

13 Yehezkel Kaufmann

Der erste jüdische, historisch-kritische Bibelwissenschaftler 69

14 William Foxwell Albright

Prägende Gestalt der Bibelarchäologie 71

15 Gerhard von Rad

Theologisches Reden vom Alten Testament

als Nacherzählung 73

16 Martin Noth

Amphiktyonie und Deuteronomistisches Geschichtswerk 76

17 Roland Guérin de Vaux

Der Entdecker von Qumran 78

18 Hans Walter Wolff

Prophétie und Protest 80

19 Kurt Aland

Wie lautet der ursprüngliche Text des Neuen Testaments? 82

20 Herbert Haag

Mit der Bibel den Katholizismus reformieren 84

21 David Flusser

Bedeutendster jüdischer Jesusforscher und

unentbehrlicher Vermittler zwischen den Religionen 87

22 Dominique Barthélémy

Revolutionär der Textkritik 89

23 Krister Stendahl

Paulus und das gute Gewissen 91

24 Brevard S. Childs

Der Kanon als Schlüssel zum Verständnis der Bibel 93

25 Jacob Milgrom

Virtuoser Deuter der biblischen Ritualgesetze 95

26 James Barr

Intelligent glauben 98

27 Martin Hengel

Judentum und Hellenismus 100

28 Oswald Loretz

Ugarit und die Bibel 102

29 Carlos Mesters

Das Leben und die Bibel 104

30 Fernando Belo

»C/X« — Bibellektüre als Teil einer politischen Praxis

31 Luise Schottroff

Sozialgeschichte im Dienst der Befreiung

32 OthmarKeel

Bildforscher unter Textforschern

33 Hans Heinrich Schmid

Weisheit, Gerechtigkeit,

Pentateuch und — die Zürcher Universität

34 David J. A. Clines

Von rechts nach links und von links nach

rechts lesen

35 Frank Crüsemann

Sensibilität für gesellschaftliche Prozesse

36 Ulrich Luz

Das Matthäusevangelium und

seine Wirkungsgeschichte

37 Elisabeth Schüssler Fiorenza

Die Macht des Wortes erforschen

38 Adrian Schenker

Geist und Buchstabe

39 Erich Zenger

Pentateuch- und Psalmenforscher, Advokat des

jüdisch-christlichen Dialogs

40 Eugen Drewermann

Tiefenpsychologie und Exegese

41 Helen Schüngel-Straumann

Feministische Exegetin der ersten Stunde

AI Athalya Brenner

Ohren für weibliche Stimmen in der Bibel

43 Gerd Theißen

Jesusbewegung und Sozialgeschichte

44 Max Küchler

Religion und Politik in der Landschaft

45 Erhard Blum

Kompositionen statt Quellen

46 Bernadette Brooten

Junia — hervorragend unter den Aposteln 142

47 Marie-Theres Wacker

Lehrerin der Unterscheidung von Geistern 144

48 Adele Reinhartz

Jüdische Neutestamentlerin im Dienste der eigenen Tradition 146

49 Renita Weems

Afrikanisch-amerikanische Bibelauslegung 148

50 Martti Nissinen

Prophétie als Phänomen der ostmediterranen Kultur 150

Personenverzeichnis 153

Literaturhinweis 156

Autorinnen und Autoren 157

Bildnachweis 158

http://d-nb.info/991116208/04

http://www.patmos.de/pdf/978-3-491-72542-3.pdf?osCsid=f0b0f4977fe60062452019f62731bc21

https://forschdb2.unibas.ch/inf2/rm_projects/object_view.php?r=1214036

Sutter Rehmann, Luzia: Beitag zu Fernando Belo, in: Staubli, Thomas (Hg.): Wer knackt den Code? Meilensteine der Bibelforschung, Düsseldorf 2009, S. 106–107.W

Fernando Belo e a irmã Maria Belo (finais dos anos 60) — Blogue “Entre as Brumas da Memória”, de Joana Lopes — http://entreasbrumasdamemoria.blogspot.com/2018/12/fernando-belo.html
Fotografia da sessão de 16 de Fevereiro — por André Barata

Excerto do debate Apostrophes (3–10–75 — com Bernard Pivot), incluindo Leitura materialista do Evangelho de Marcos, de Fernando Belo:

Débat consacré à la possibilité d’une lecture, d’une pratique politique, marxiste de la foi, en compagnie de nombreux écrivains, certains croyants, d’autres marxistes.- Bernard PIVOT présente les invités et leur pose une même question : “Croyez-vous en Dieu, et lequel ?”.- Maurice CLAVEL, agrégé de philosophie, auteur dramatique, romancier, parle de son livre “Ce que je crois”, récit de sa conversion.- Michel CLEVENOT, prêtre, éditeur, présente son livre “Approches matérialistes de la Bible”, à paraître dans quelques semaines, une approche marxiste de “Lecture matérialiste de l’évangile de Marc” de Fernando BELO.- Georges SUFFERT, journaliste, vient de publier “Le cadavre de Dieu bouge encore”, un recueil de onze entretiens avec des personnalités sur le sens de leur vie.- Jean GUICHARD, professeur, auteur de “Eglise, luttes de classes et stratégie politique”.- Giovanni TROVATO, prêtre ayant quitté les Ordres, qui publie ses mémoires sous le titre “Les citrons d’or”.- Discussion autour de la croyance et la pratique religieuse.- Gilles LAPOUGE présente le livre de Dom DESCHAMPS, un prêtre gauchiste du XVIIIè siècle, “Le maître des maîtres du soupçon”- En conclusion, Bernard PIVOT pose une question tirée du livre de Giovanni TROVATO : “… ne sommes-nous pas tous devant Dieu des imposteurs ?…”.- Gilles LAPOUGE parle du livre du chrétien contestataire Jean CARDONNEL, “Dieu, essai sur les pouvoirs”.

--

--