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Fresco representando Safo encontrado em Pompeia.

Evocação de Sappho (Safo de Lesbos)6 poemas inéditos — (I)

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Poemas de Manoel Tavares Rodrigues-Leal

Luís de Barreiros Tavares

Manoel Tavares Rodrigues-Leal — fotografado no centro LGBT — Lisboa

Ainda Manoel T. Rodrigues-Leal

Seis poemas inéditos a Sappho[1] (Safo de Lesbos — c. 630 — c. 570 A.C.)

“Dizem que há nove musas, que falta de memória! Esqueceram a décima, Safo de Lesbos” (Platão)

“A beleza servi e não conheço nada maior

Safo numa tradução de Eugénio de Andrade

Inscrição num caderno de M.T.R.-Leal

I

Ilha de Lesbos[2]

É sol do que sou, cativo por pensamento.

Uma nostálgica nobreza, algures pagã.

Desejo desejar o desejo do seguinte: manhã acesa

que lembro grega e lendária: Sappho

mulher cuja linhagem, linguagem poética

era transeunte, beleza ajoelhada, divina e terrestre.

Habita agora o Olimpo, linda, serena, sábia como convém

a um poeta que, despojado, habita sua ilha, toca sua harpa, mapa de ninguém.

O seu limpo pensamento, eterna adolescente, segregando desejo, segredo, semente.

Lx. 3–6–76

Caderno O umbigo da beleza

Manuscrito do poema “Ilha de Lesbos”, com duas versões (transcreveu-se a primeira)[3].

II

na era áurea da lira

ouvíamos divinos sons e dons

como Sappho isolada em sua ilha

o recorte recente da hera era perfeito

as décadas possíveis e sobre o nu peito

a palpável solidão de Cascais o hálito dos Verões inolvidáveis

invocados consumidos nos impossíveis dias da juventude, idade e ira…

Lx. 10–10–76

Caderno De profundis et de clamoris (1976)

Alceu e Safo. Lado A de um vaso Ático de figuras-vermelhas, c. 470 AC. De Akragas (Sicília)

Divina Safo, a das tranças

de violeta e sorriso

de mel

(Alceu, frg. 31[4])

III

Em os bosques da beleza, sua figura não transige com o tempo.
O pó de seus poemas a envolve e pressagia o seu desejo messiânico.

A tragédia grega era irrisória perante o perfil de Sappho.

Lx.16–6–77

Caderno Reino efémero[5]

Referência da imagem: http://ninadraper.blogspot.pt/2015/11/safo-de-lesbos-decima-musa.html

IV

Evocação de Sappho

E as algas das lágrimas choradas sobre o teu perfil?

Sappho eras e és

Numa transparência perfeitamente grega…

Aquilo que te cega

É a helénica luz de que foste profetisa.

E que ainda brilha febril…

Agora te ergues

Em consentimento e nudez,

Em paz que ninguém pisa.

Lx. 15/12/83

Caderno Límpida vertente [título possível]

V

(Sappho de Lesbos)

A poetisa[6] grave

Inclinou sua fronte

Perante as águas perenes do lago[7]

Qual defunta ave

Morde o horizonte

Que morre sob o seu afago.

Lx. 17/10/84

Poema XXV — Caderno O Sul das Maravilhas

Lesbos: local da antiga cidade de Pirra que ficou submersa. Foto: © Hans Huisman.

… Porque o pranto na casa de um poeta

Não é permitido, nem isso nos convém.

Safo, frg. 41 (versão do fragmento inscrita no caderno Evocação de uma mulher em visita)

VI

(Sappho)

Quiseste proporcionar-me os prazeres mais puros e distraídos

e raros que eros consente.

E o pranto da sedução de virgens que renascem sob rosas.

E assim ao Olimpo ascender ousas.

Lx. 3–12–75

Caderno Evocação de uma mulher em visita

Que o nosso pensamento seja limpo, para que se propague ao infinito dos deuses

M.T.R.-Leal

Cascaes

Lx. 14–8–77 — Caderno O novo dia é recente

Quem é belo é belo aos olhos — e basta.

Mas quem é bom é subitamente belo[8]

Safo, frg. 24

Ruínas do templo de Atena em Assos (a Ilha ao fundo é Lesbos). Foto de Frans Sellies.

[1] Algumas notas à margem deixando respirar os poemas. “Sappho” nos manuscritos seguindo a grafia inglesa e francesa. Não sabemos se o autor escolheria estes poemas. É um risco que se corre…

[2] “Ilha de Lesbos” Título possível segundo o manuscrito. Lesbos, onde recentemente houve grandes tragédias com os refugiados sírios…

[3] Com múltiplas revisões, releituras (ver datas) e dois dos seus pseudónimos, com os quais assinou alguns dos seus livros em edição de autor, com novas linguagens, já no séc. XXI, começando a publicar somente a partir de 2007. Cf., p. ex., dois dos seus livros no arquivo da Biblioteca Eduardo Lourenço: http://catalogo.bmel.pt/plinkres.asp?Base=BMG&Form=ISBD&StartRec=0&RecPag=5&NewSearch=1&SearchTxt=%22AU%20CARD%D4ZO%2C%20Manoel%20Ferreyra%20da%20Motta%22%20%2B%20%22AU%20CARD%D4ZO%2C%20Manoel%20Ferreyra%20da%20Motta%24%22

Também na Biblioteca Nacional onde M.T.R.-L trabalhou durante muitos anos. Dois breves ensaios sobre estes dois livros, por Elsa Rodrigues dos Santos (1939–2012; foi Presidente da Sociedade da Língua Portuguesa): http://linguafone.blogspot.pt/search?q=Dois+textos+de+Elsa+Rodrigues+dos+Santos

Dois vídeos de Elsa dos Santos lendo os ensaios: https://youtu.be/TGwG5lgMuCk

https://youtu.be/lHd1hipvPyI

[4] Na versão de Albano Martins, O essencial de Alceu e Safo, Lisboa, INCM, 1986.

[5] Título mais provável, entre outros…

[6] No manuscrito, “poetisa” substitui a palavra riscada “deusa”. Com esta possível segunda versão (“deusa”) — pelo menos há na rasura uma correlação latente ou viável feita pelo poeta — ecoa de algum modo o dito de Platão (vj. citação acima: Safo é a décima Musa), admitindo que há uma identificação entre “musa” e “deusa”. Pois, por exemplo, segundo os poemas homéricos, as musas eram entidades divinas ou deusas: “Fala-me, Musa, do homem astuto que tanto vagueou, depois que de Tróia destruiu a cidade sagrada. Muitos foram os povos cujas cidades observou, cujos espíritos conheceu; e foram muitos no mar os sofrimentos por que passou para salvar a vida […] Destas coisas fala-nos agora, ó deusa, filha de Zeus” (Abertura do Canto I em Homero, Odisseia, trad. Frederico Lourenço, Lisb., Bibliot. edit. Independentes, 2008).

[7] Neste poema, um pouco mais sombrio, talvez possamos encontrar algumas linhas de comunicação ou ressonâncias, casuais ou não, com o fragmento de Safo: “Hermes veio… // Eu disse-lhe: ‘Senhor… / não, pela Deusa Feliz, nunca prezei grandezas: // o meu desejo é morrer. Ver / no orvalho as flores / de luto no lodo longo de Aqueronte!” (Safo — Líricas em fragmentos, ed. bilingue, tradução e apresentação de Pedro Alvim, desenhos de Alves da Costa, Lisboa, Vega, 1991). Na versão de Frederico Lourenço (Poesia Grega — de Álcman a Teócrito, Lisb., Cotovia, 2006, p. 41): “[…] mas toma-me o desejo de morrer / e de ver as ribeiras cobertas de lótus / e de orvalho do Aqueronte.” Em Pierre Grimal, Dicionário da Mitologia grega e romana, trad. Victor Jabouille, Lisb., Difel, 1992: “O Aqueronte é o rio que as almas devem atravessar para chegar ao império dos Mortos. […] “Este rio está quase estagnado [ou seja, como uma espécie de lago lodoso onde pode nascer a flor de lótus], as suas margens estão embaraçadas de juncos e cheias de lodo.” (mais detalhes em op. cit.: “Aqueronte”). “Os gregos estabelecidos na Itália identificavam o lago Aquerúsia, no qual o Aqueronte fluía, como sendo o lago Averno.” Cf. https://pt.wikipedia.org/wiki/Aqueronte

[8] Versão de Pedro Alvim, op.cit.

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