Entrevista com Hermano Vianna: Delícia do Inferno

Ed Caliban
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15 min readDec 19, 2021

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Por Pedro Maciel*

Em entrevista exclusiva, o antropólogo Hermano Vianna,

que dá continuidade ao trabalho que o modernista Mário de Andrade realizou em prol da música brasileira, explica como que a produção cultural dos pobres sempre acaba se convertendo em “problema social”

Hermano Vianna, crítico das sociedades urbanas, não fala a língua dos pensadores que desprezam as sociedades primitivas, como se elas não tivessem nada a oferecer às sociedades modernas: “Nós não somos o futuro dessas sociedades ditas primitivas. Essas sociedades muitas vezes podem ser o nosso futuro em vários aspectos. Não é à toa que está todo mundo de olho no conhecimento que os índios têm da Amazônia”.

Na entrevista que se segue, Vianna, estudioso das manifestações culturais das classes desvalidas, pioneiro das pesquisas relacionadas aos bailes funk, fala sobre o preconceito da sociedade em relação aos movimentos culturais das classes mais desfavorecidas: “Toda produção cultural dos pobres vira um problema social”.

Autor do projeto “Música do Brasil”, que mapea a diversidade de músicas produzidas em todos os cantos do país _ o antropólogo fala ainda sobre a mais completa pesquisa realizada até hoje sobre estilos musicais brasileiros. A equipe liderada por Hermano Vianna percorreu mais de 80 mil km e registrou a performance de mais de 100 grupos musicais de estilos diferentes.

Hermano também rememora a sua formação de antropólogo, suas influências, e destaca a história do país através de Gilberto Freire e Sérgio Buarque de Holanda: “Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda inventaram o Brasil”.

A antropologia, até os anos 40, era conhecida como a “ciência das sociedades primitivas” hoje denominadas “sociedades complexas”.

A antropologia surgiu também até como questionamento desta idéia do que era primitivo e do que não era. As pessoas foram estudar as outras sociedades, que não a ocidental e a européia, e foram descobrindo, cada vez mais, a complexidades de todas essas sociedades. Não existe sociedade simples ou primitiva. Esta idéia entre o que é complexo e o que é simples foi cada vez mais se problematizando, ou foi sendo problematizada pelos antropólogos. É claro que esse termo antropologia das sociedades complexas é mais aplicável a partir dos anos 60 — e aqui no Brasil existe um pioneirismo de antropólogos estudando a sua própria sociedade. Eles se aplicam mais aos estudos sobre as sociedades urbanas, industriais, ocidentais ou o tipo de mistura que existe entre estas sociedades e as sociedades chamadas antigamente de simples. Mas não existe sociedade que não seja complexa. Então, antropologia, se você chamar só de antropologia, já é o estudo das sociedades complexas, porque todas as sociedades são complexas.

A antropologia criou uma oposição entre sociedades simples e complexas. A singularidade de cada sociedade não a torna complexa?

Sim. Torna a sociedade mais complexa. E, às vezes, as sociedades que se convenciona chamar de simples têm uma complexidade muito maior em determinados campos. Por exemplo, você pode falar que a tecnologia que os índios brasileiros desenvolveram seria simples comparada com a tecnologia das nossas sociedades. Mas se você pensa a forma de parentesco indígena, ou a maneira com os índios pensam a classificação de vegetais ou animais, ou a mitologia dos índios sul-americanos, é de uma riqueza e de uma complexidade muito maior do que, por exemplo, o grau de intensidade das nossas relações de parentesco. Nós somos os simples e eles são os complexos. A nossa simplicidade também fica evidente se comparada com a sofisticada criação mitológica dos índios.

É preciso perguntar o que as pessoas querem dizer quando falam em simples ou complexo.

A leitura que a antropologia faz hoje dessas sociedades, que seriam simples ou complexas, não seria mais uma crítica cultural da sociedade atual?

Certamente é uma crítica de como a sociedade ocidental se relacionou com esses outros tipos de sociedade. Como a perspectiva básica da antropologia é comparativa, a leitura é sempre crítica, no sentido de que você vai estar comparando valores muito diferentes. Então, os dois valores saem, de certa forma, relativizados. Você passa a entender que os seus valores não são os valores naturais, os valores humanos por excelência, mas existem outras sociedades, outras culturas, que pensaram as mesmas questões que nos preocupam de maneiras completamente diferentes. É uma maneira de você pensar seus próprios valores com os olhos dos outros, e pensar os outros valores com os nossos olhos também. É você pensar que nenhuma sociedade, nenhuma concepção ou visão de mundo, tem a verdade sobre a natureza. Até a maneira como se separa a natureza da sociedade é diferente conforme a sociedade, então esse tipo de visão dá uma perspectiva crítica em relação a tudo.

As sociedades ditas primitivas ilustram o passado da humanidade. Elas também ajudam a revelar o presente, ou mesmo imaginar nosso futuro?

Essa idéia de que as sociedades primitivas ilustram o passado é preconceituosa porque você está colocando as referências sempre no lugar onde a sua sociedade já passou. Na verdade, não é isso, é apenas um outro caminho que essas sociedades tomaram e que, não necessariamente, elas vão se desenvolver para chegar um dia aonde nós chegamos. Elas vão chegar a lugares completamente diferentes.

Nós não somos o futuro dessas sociedades. E essas sociedades, muitas vezes, podem ser o nosso futuro em vários aspectos. Por exemplo, o conhecimento de biotecnologia que os índios têm hoje em relação à Amazônia é um conhecimento preciosíssimo que vai gerar muitos frutos para a indústria farmacêutica internacional. Não é à-toa que está todo mundo de olho neste conhecimento. Essa pode ser a maior riqueza do Brasil: a geração de conhecimento que, no entanto, foi produzido há muitos séculos.

A antropologia é o olho da ciência que desvenda as relações entre o antigo e o novo mundo, o lugar do homem na natureza e o sentido da civilização e do progresso.

Este é um campo multidisciplinar. Todas as disciplinas podem contribuir para falar sobre estas questões. Nenhuma ciência ou campo de conhecimento pode ter a pretensão de dar resposta a todas essas questões. A antropologia pode contribuir com a perspectiva comparativa pois se tornou um banco de dados de experiências muito diferentes que o homem foi tendo no decorrer de toda sua história e dessas grandes diferenças que ainda existem nos diversos panoramas cultural, mundial. Isso é muito importante.

Outras ciências vão ter que se juntar, vai ter que acontecer uma intercessão para que desvende essa natureza humana?

Certamente. O estudo de psicologia, de cognição, o estudo de inteligência artificial, a conexão, todos esses estudos mais biológicos de como o nosso cérebro funciona, de como é produzida a consciência humana, os estudos de história. Esta tendência multidisciplinar é uma das vertentes mais ricas da produção de conhecimento hoje.

O que distingue a perspectiva antropológica da perspectiva sociológica?

Hoje, cada vez mais, há uma intercessão entre as perspectivas. Isso começou com uma divisão de trabalho. No início, quando estas disciplinas foram criadas no início do século 19, a sociologia cuidava do estudo da sociedade industrial, da sociedade complexa. A antropologia ia estudar o resto. Mas, é cada vez mais problemático dizer o que é o resto e o que não é, e como essas coisas estão relacionadas. A tendência é de misturar. Mas penso que a sociologia tem um arsenal tanto teórico, quanto prático de estudos de campo, ela consegue pensar melhor a partir de estatísticas e outros fenômenos que envolvem muita gente. Já a antropologia desenvolveu muito mais técnicas e estudos qualitativos, a coisa de trabalho de campo, de você conviver com as pessoas e desenvolveu com isso um outro tipo de olhar. A antropologia e a sociologia podem estudar as mesmas coisas, mas com perspectivas diferentes.

Quem mais influenciou na sua formação de antropólogo?

Muita gente. Sou marcado, principalmente, pelo Gilberto Velho, um antropólogo do Rio de Janeiro, que é pioneiro em termos internacionais neste tipo de estudo voltado para as sociedades urbanas. Ele orientou minha dissertação de mestrado e minha tese de doutorado. Ter lido os livros dele antes, na graduação, foi muito importante para mim, no sentido de saber que aquele tipo de estudo era possível. Além disso, tenho muito cuidado de pensar a antropologia como um campo de conhecimento bem complexo e muitas tendências diferentes. O Eduardo Ribeiro de Castro, antropólogo que vem desenvolvendo um trabalho muito interessante sobre os índios sul americanos, também me influenciou muito, apesar de estudar outro tipo de sociedade completamente diferente. Sou um aluno do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, que tem determinadas características. É um lugar pequeno, que tem poucos professores, mas cada um com personalidade muito marcante, forte e determinadas linhas de estudo muito importantes. Esse ambiente produziu a maneira como eu me relaciono com a antropologia. Também tem a formação mais geral dos antropólogos Lévi-Strauss, dos outros mais contemporâneos, como Bruno Ladurque. São referências importantes. Acho que a história da antropologia no Brasil é uma história de muitos heróis, de tendências muito diferentes umas das outras. E aí inclui Gilberto Freyre, Darcy Ribeiro, Roberto da Matta.

Sérgio Buarque de Hollanda, autor de Raízes do Brasil (1936) e Gilberto Freyre, autor de Casa Grande & Senzala (1933), são, na verdade, os dois pensadores que melhor definiram o Brasil para os brasileiros?

Para mim, eles praticamente inventaram o Brasil. A maneira como a gente pensa o Brasil hoje tem uma dívida enorme com a produção desses dois. O Sérgio Buarque mais ligado aos estudos de história, o Gilberto Freyre com uma produção que pode ser definida como uma antropologia, uma história das idéias. Nos anos 30, que era um momento decisivo na construção do país, eles foram extremamente influentes. Não dá para pensar nada sem passar pelas questões que os dois propuseram e lançaram.

Já não é mais possível imaginar “O homem cordial” do Sérgio Buarque. Aliás, houve um mal-entendido, não se tratava da cordialidade da subserviência.

Ele já não existia naquela época. No capítulo sobre o homem cordial, o próprio Sérgio Buarque era o principal crítico daquela idéia que ele estava lançando. Tanto na obra dele, quanto na obra do Gilberto Freyre, há muitas possibilidades de leituras diferentes para aquilo que eles estão propondo. São obras muito complexas.

Você concorda com aqueles que dizem que o ponto de vista antropológico e sociológico que o Freyre propõe para o país é o da Casa Grande?

De maneira alguma. Eu reli Casa Grande & Senzala, este ano, e há uma pluralidade de pontos de vistas naquele livro impressionante; um competindo com o outro. O Gilberto Freyre é uma personalidade extremamente contraditória e ele valoriza a contradição. Ele valoriza o inacabado, o inconclusivo, por que a realidade é assim para ele. O livro nem tem capítulo conclusório. Termina com uma citação terrível que é uma enumeração de diversas doenças tropicais brasileiras. Então, são muitos pontos de vistas diferentes. A gente não pode confundir a obra Casa Grande& Senzala, sobre o Brasil mocambo, com outras posições que o Gilberto Freyre teve em determinada época da vida, assim como determinadas posições políticas. Mas quem lê Casa Grande e se debruça sobre os livros dele, vai se deparar com esta pluralidade. Quando ouço as pessoas dizerem que o Casa Grande&Senzala é a descrição de um paraíso tropical, da harmonia, da democracia racial, eu me pergunto que livro é esse que as pessoas estão lendo?

Se for ler mesmo, vai ver que ele tem idas e vindas. E sempre que Freyre fala que aqui tem determinadas características mais suaves é sempre comparando com outras situações. Mas é claro que são interpretações absolutamente questionáveis de vários aspectos do Brasil. Não acho que podemos colocar a coisa desta maneira simplista, de dizer que ele era o advogado da democracia racial. Era muito mais profundo.

Você não trilhou as suas pesquisas em cima das sociedades mais remotas, mas preferiu estudar as sociedades urbanas e buscar movimentos populares e contemporâneos.

Não sei como se toma essas decisões em uma carreira. Eu me interesse muito pelo estudo das sociedades indígenas brasileiras, acho que elas estão absolutamente vivas e recriando sua forma de estar no mundo. Mas, em determinados momentos, você tem que fazer determinadas escolhas. Tendo que escolher um tema para a dissertação de mestrado e já me aproximando do Gilberto Velho como orientador, me encaminhei, e resolvi estudar baile funk e etc. Mas as questões que eu estou discutindo são mais gerais.

Você foi pioneiro ao estudar os bailes funks nas periferias do Rio de Janeiro. A sociedade continua discriminando estes movimentos periféricos?

Na época em que eu estudei os bailes funks, não existia discriminação e sim um desconhecimento total. Quando ia fazer palestras sobre o assunto, tinha que levar um toca fitas e botar a música porque as pessoas não sabiam como era. Hoje, todo mundo sabe e já escutou aquele batidão, principalmente no Rio de Janeiro. Houve momentos em que escaparam coisas do mundo funk para a grande indústria fonográfica, mas ainda era insípido. Eu fiz a minha pesquisa em 1986, a tese foi defendida em 87, o livro O mundo funk carioca é de 88. Naquela época, era uma situação completamente diferente. Em 92, houve um marco nessa estória da relação do funk com a vida carioca que foi o arrastão que aconteceu na praia. Aí, o funk se transformou em uma espécie de inimigo público. Desde lá, até hoje, é impressionante a relação da imprensa com o funk. É uma marcação de extremo mau gosto.

É um preconceito em relação às raízes negras?

Acho que o preconceito é mais em relação à pobreza. O funk é o lugar que o pobre tem que ocupar na cultura, como se eles não conseguissem produzir cultura. Na minha opinião, o funk é uma das produções culturais mais interessantes dos tempos recentes. É claro que, como qualquer coisa que acontece na sociedade, tem muitos lados. Não tem uma coisa que está só do lado do bem, ou só do mal. Essas coisas estão muito misturadas. Mas é interessante a maneira com o funk é tratado. Toda produção cultural dos pobres vira um problema social. Quando existe briga em boite da zona sul, aquilo é logo caracterizado como um problema individual, uns adolescentes problemáticos, é um enfoque mais psicológico. Quando tem uma briga no baile funk aquilo se caracteriza como um problema social na cidade, então tem que fechar os bailes funks. Ninguém diz que tem que fechar todas as boites porque o cara chega lá, toma wiskhy e sai dando porrada. Ninguém vai dizer para fechar as boites, que as boites são antros produtores de violência. Nos bailes funks, esse pensamento é absolutamente ridículo.

A sociedade é terrível porque a discriminação não é só contra o negro, mas também contra o pobre. E geralmente o negro é pobre no Brasil.

Essa violência social a que a gente está submetido quotidianamente é uma faceta cada vez mais assustadora. E as conseqüências deste olhar perverso da sociedade no Brasil, não são só as classes discriminadas que sofrem, é o Brasil inteiro. Essa possibilidade de cada vez mais se aprofundar um apartheid terrível no Brasil com uma minoria vivendo em condomínios fechados e andando em carros blindados, e o resto do Brasil vivendo a barbárie. Esses condomínios são tão bárbaros quanto uma favela, aquilo é um modo de vida insensato e não sei como as pessoas não vêem que as conseqüências disso não podem ser boas.

O Brasil é uma “delícia do inferno”.

Ter viajado tanto pelo Brasil, ter tido oportunidade de fazer, por exemplo, A música do Brasil, em um ano, nos mostrou um outro país. Nós passamos por 80 cidades. Eu posso dizer que conheço os lugares mais pobres do Brasil porque esse tipo de música geralmente acontece em lugares mais inusitados, como as palafitas em Manaus, o mangue em Olinda, o interior do Piauí. Ao mesmo tempo que é um inferno, eu não me canso de admirar e de ver a possibilidade. A maneira de como, apesar de tudo, as pessoas produzem uma reviravolta para não se deixarem contaminar por um pessimismo que seria fácil de você ter. Como que inventam, quotidianamente, também, maneiras de serem felizes, de produzir beleza, alegria. Isso é impressionante, é uma força incrível que não precisa muito. E é incrível que tenha um outro lado tão ruim. A lição que esse tipo de coisa, com esse tipo de pessoa que fez A música do Brasil, que está registrado nas características, é uma maneira diferente, eu não sei dizer agora, o que a gente vai fazer para passar essa energia para todo o resto e mudar. Mas temos que pensar junto com essas pessoas, uma forma de mudar.

O projeto Música do Brasil é um mapeamento completo da diversidade musical existente no país?

Não sei se é o mais completo. E se é, é uma pena, porque não é nem um pouco completo, no sentido de que é apenas uma mostra pequena da riqueza que existe no Brasil. Acho que o projeto faz parte hoje de vários outros que estão em volta, de pessoas que estão interessadas no mesmo assunto e aí pode sair um mapeamento mais completo.

Com este mapeamento da música popular, torna-se mais fácil descobrir quem somos e qual é a nossa verdadeira raça?

O Música do Brasil ainda está no início. Apesar de já ter livros, CDs, programas de tevê, o que a gente coletou e que está representado é uma parte muito pequena do projeto. Ainda é preciso tocar em todo esse material, senti-lo, estudá-lo. Eu convido todos para participarem e a colaborarem pois há muito coisa realmente. E há muita coisa que você continua descobrindo. Tem outra parte do projeto, que é um outro tipo de mapeamento nacional, do Instituto Itaú Cultural, mais relacionado à música que recebeu um material incrível do Tocantins. Um dos curadores deste projeto do Itaú Cultural era o Roberto Correa, que faz um levantamento muito interessante da música do Centro-Oeste, em Goiás, principalmente, nos arredores do DF. Nem ele conhecia esse material dos violeiros do Tocantins. A gente vai descobrindo coisas o tempo inteiro. A Música do Brasil faz parte de uma rede de projetos semelhantes e é um incentivo para pessoas que se interessam pelo assunto e queiram pesquisar.

O Padre Vieira dizia que “minha pátria é a língua portuguesa”. Se pensarmos na Música Popular Brasileira, pode-se dizer que a “minha pátria é a língua africana, indígena, etc”?

É. A Música Popular Brasileira é extremamente variada e é a combinação de elementos muito diferentes uns dos outros. Não tem essa aparente homogeneidade que tem a língua, porque a língua também não é essa coisa homogênea, ela combina elementos diferentes. O Música do Brasil até deixou de lado, por estratégia mesmo, a variedade incrível de música indígena brasileira. No Brasil existem pelo menos 200 tribos indígenas diferentes, cada um desses povos tem sua música, então isso é uma fonte inesgotável de diferenças.

Você acha que o projeto Música do Brasil ajuda a descobrir um pouco o modo de ser dos brasileiros?

Ajuda. Muitas das mensagens que a gente recebeu pela internet, pela MTV, inclusive uma tevê de jovens mais ligados em rock e etc, foram de um sentimento de deslumbramento. Muitas declarações repetiram quase que essa mesma mensagem: “pôxa, não sabia que o Brasil era tão rico.” Isso só já basta . Só esse impacto de ver que a gente desconhecia tanta coisa que está surgindo. É claro que isso não vai chegar a uma conclusão do que é o brasileiro. Vai tornar ainda mais complexo essa idéia do que somos.

A inspiração para a divisão temática do projeto veio do Mário de Andrade. Fale um pouco destas divisões. São quatro CDs intitulados “Música dos Homens, das Mulheres e das Umbigadas”, “Música dos Mares e da Terra”, “Música dos Santos” e “Música das Coisas, dos Bichos e dos Vegetais”.

Quando a gente teve a idéia de que seriam quatro CDs, tínhamos de escolher o que colocar no meio daquele número incrível de músicas. A idéia inicial foi inspirada pelo Harry Smith, um cara incrível que gravou música folclórica americana e lançou uma coleção muito importante na década de 70, com músicos como o Bob Dylan. Smith era um místico maluco, interessante e lançou quatro CDs classificados como os quatro elementos (fogo, água, terra e ar). Pensamos em repetir esta divisão para o Brasil. Mas estava muito difícil e era muito subjetivo. Cada um sentia de um jeito. Na época, eu estava lendo também o livro dos Cocos do Mário de Andrade que ele divide em temas relacionados às letras. Pensei em combinar as categorias musicais e cada um foi registrando a sua participação como se fosse uma brincadeira em cima daquela combinação. Achei bacana porque o projeto Música do Brasil foi uma brincadeira em cima das brincadeiras que existem por aí. Até o ouvinte pode fazer as suas brincadeiras de ouvir de maneiras diferentes, como os grandes mestres. Eles são agentes de combinação, juntam pedaços de brincadeiras diferentes e geram outra coisa. Então, isso é o que a gente quis fazer. Não é nada definitivo, é um olhar.

Pedro Maciel é escritor, jornalista e artista visual, autor dos romances “A noite de um iluminado”, Ed. Iluminuras, “Previsões de um cego” e ed. LeYa, “Retornar com os pássaros” , ed. LeYa, entre outros.

Entrevista publicada no Suplemento Literário de Minas Gerais, fevereiro de 2002.

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