Foto Gustavo Massola

Entrevista com Gabriel Martins: da música ao mergulho na natureza

Bartira Fortes
Revista Caliban issn_0000311
9 min readOct 26, 2017

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Gabriel Martins é músico e compositor, nascido em São Paulo, filho de Vitor Martins — um dos maiores compositores do país e maior parceiro de Ivan Lins.

Gabriel já trabalhou e compôs com grandes figuras da música como o próprio Ivan Lins, Bocato e outros músicos consagrados, tendo inclusive canções e trilhas inseridas em novelas e programas de TV. Agora lança seu primeiro cd autoral chamado Mergulho”, um álbum instrumental inspirado na natureza, cheio de timbres, climas e cores que transita por ritmos como rock, reggae, jazz, folk e MPB.

Nessa entrevista para a revista Caliban, Gabriel fala sobre sua trajetória na música desde a infância, o processo de criação do álbum e dos videoclipes, sua relação com a natureza, reflete também sobre a música instrumental no Brasil, entre outros temas.

Você é nascido e criado em São Paulo,a maior área urbana do país. Um cenário bastante distante da contemplação da natureza que o seu primeiro álbum “Mergulho” busca. Onde você mergulhou para compor?

Mergulhei em mim mesmo, na imaginação e lembranças de lugares lindos por onde passei, além do próprio contato esporádico com a praia/cachoeira antes da gravação. O meu contato com a natureza vai muito além da diversão, é realmente uma questão de necessidade, lavar a alma literalmente, renovar. Cada vez mais conheço pessoas parecidas comigo neste aspecto. Acho que consegui naturalmente transmitir isso através do disco. É um estímulo também para você ir para onde te faça bem… Hoje estou conseguindo ter mais contato, ainda bem…(risos).

Como ocorreu o processo de transpor os sons da natureza para os sons dos instrumentos?

Com muita naturalidade. Mas com muita exigência da minha parte quanto aos timbres e instrumentos a serem usados, obviamente foi fundamental a escolha dos demais músicos para a gravação e os dois produtores musicais: Zé Victor Torelli e Rubem Farias.

Sobre alguns instrumentos, por exemplo, eu sempre amei o som do violoncelo, e foi demais o resultado nas faixas “Despedida” e “Os encantos da lua”. Ficaram lindos os arranjos. A viola caipira sempre admirei o timbre, um instrumento bem brasileiro e ninguém melhor que o Neymar Dias para tocar na única faixa que ela surge. Já admirava o trabalho dele e o conheci no estúdio no dia da gravação. Depois de gravar ele começou a ouvir o disco todo, gostando bastante e comentando que era um disco cheio de cores, bonito, diferente…

Sobre o Lapsteel eu queria usar em umas 3, 4 faixas e estava à procura do instrumento e da pessoa certa que se identificasse com o trabalho. Ao saber disso o Neymar, que é multi-instrumentista, disse na hora:

“- Eu tenho um lapsteel fender dos anos tal e…” Minutos depois marcamos o dia da próxima gravação dele. Viramos grandes amigos. Gravação é assim, às vezes você conhece o músico no dia. As minhas guitarras e do Zé Victor, principalmente as viajantes, foram gravadas por último… Eu sou bastante detalhista e trabalhei bastante pra escolher os instrumentos ideais para cada faixa, a ordem das músicas que vão passeando por vários caminhos, o nome delas… Além da música, no próprio encarte do disco tem bastante detalhes de fotos, texturas, nos clipes também será assim…

Conte-nos, então, um pouco sobre o processo de gravação do vídeoclipe da música Planador lançado recentemente.

Foi super trabalhoso e extremamente prazeroso, mais do que qualquer trabalho, este depende muito da natureza, não dá pra confiar na previsão do tempo e é preciso arriscar, choveu bastante em algumas idas à praia e dependíamos da luminosidade do sol principalmente, isso foi atrasando algumas datas que queríamos, mas acredito que tudo acontece na hora certa. (risos)

Fomos mais de 5 vezes até o litoral, eu e o Gustavo Massola, o diretor do clipe.Tivemos e descobrimos uma excelente afinidade artística, fomos criando e improvisando, um turbilhão de ideias que não ficam em apenas um clipe, ainda bem que virão mais(risos).

Neste tipo de trabalho, geralmente se faz muita amizade… Íamos com um barco de pescador para as pequenas ilhas onde filmamos, eu pulei no mar cerca de umas 100 vezes contando todos os dias para fazer uma das cenas, o que cansa muito, mas eu gosto bastante. Criei uma habilidade de nadar debaixo d’água com o chapéu pra manter uma identidade minha (risos). Muitas pessoas me perguntam como eu fiz isso, enfim, tudo muito descontraído…

Um dia tomamos um grande susto, na volta das ilhas eu tomei um tombo brusco, caí de costas, poderia ter sido grave. Eu, o pescador e o Gustavo ficamos assustados, cheguei em terra firme e coloquei gelo nas costas, ainda um pouco preocupado, mas comecei a tomar cerveja e continuar as ideias de roteiro… No dia seguinte o Gustavo foi fazer umas filmagens na praia e o pescador, quando o viu sozinho, ficou extremamente preocupado:

–Cadê o Gabriel cara, como ele está? Gustavo respondeu:

–Relaxa, está tudo normal, inclusive está trazendo cerveja para você, como prometido para depois da gravação. Hehehe

O teu CD conta a participação de importantes nomes da música brasileira, dentre eles Ivan Lins. Como foi essa experiência?

Foi maravilhoso, a gente se diverte sempre, poucas profissões talvez te dão esse prazer de trabalhar com ídolos. O Ivan é um ícone mundial, ele tem muito carinho por mim e realmente curtiu a onda do disco. Ter duas composições com ele neste trabalho e as participações especiais, são emocionantes e visíveis. A princípio seria só a “Valsinha do Mar” que ele gravaria. O dia da gravação foi muito intenso e divertido, ele ouviu o disco inteiro com calma, conheceu melhor tudo, deu alguns palpites importantes e então ele teve a ideia de fazer e recitar um poema em cima da música “Os encantos da lua”. Como foi tudo muito natural, profundo e tudo a ver com o “Mergulho”, tive a honra de uma música que era só minha, ser minha e dele. (risos) Um dia inesquecível e especial, cheio de trocas, aprendizados e alegrias… Todos que estavam no estúdio se divertiram…

E o videoclipe da música “Valsinha do Mar” será lançado no próximo mês. É um videoclipe de animação em 2D.

Acho que passeia por um lado mais lúdico, onde sonhos e realidades se misturam através dos encantos de uma bailarina, mar e obviamente música…

Os traços sãos baseados em desenhos dos anos 50. Quando o animador me mostrou as referências, optei por manter uma essência minimalista. É muito engraçado e diferente se ver em forma de desenho. O Ivan Lins também está demais, é um ineditismo até na carreira dele. Já vi várias caricaturas do Ivan, mas com animação é novidade.

Uma pessoa que assistiu ao clipe de animação antes de me conhecer pessoalmente, quando me encontrou disse: — Nossa! Você é exatamente igual ao desenho, trejeitos, o jeito de andar… (risos)

E o interessante é que o animador/diretor só me viu uma vez ao vivo antes de desenhar…

Méritos para o talentoso Marcus Guio.

Através de seu pai, Vitor Martins, um dos maiores compositores do Brasil, você deve ter conhecido músicos consagrados e famosos. Como foi essa relação com esses artistas? E o quanto eles influenciaram na sua formação musical?

Quando criança eu tinha mais contato por telefonemas, pois morava na praia e meu pai viajava muito. Eu os via na TV e não entendia direito, ouvia aquelas vozes diferentes, sabia que tinha algo realmente especial. O que mais tive contato mesmo foi o Ivan Lins, via aquele piano “balançar”, achava mágico, aquilo me emocionava. Comecei a ter mais contato mesmo quando voltei pra São Paulo na adolescência. Todos os outros que conheci e/ou conheço, respeito e admiro muito, a gente sempre aprende algo com todos eles e tudo o que eu gosto me influencia. Dois em especial que eu gostaria muito mesmo de ter conhecido pessoalmente, mas não tive a oportunidade: Elis Regina e Dorival Caymmi.

Com todas essas importantes influências musicais desde a infância, como ocorreram os seus primeiros passos na música?

A música nasceu em mim e faz parte da minha vida em todos os sentidos, tudo ao meu redor tem ligação com ela, mesmo involuntariamente.

Quando eu tinha uns sete anos de idade, havia um pequeno piano em casa, eu todo dia dava umas marteladas lá (risos)… Alguns anos depois havia um quarto onde ficavam alguns instrumentos de amigos do meu irmão (bateria, guitarra, baixo, teclado), quando eles iam embora eu fuçava em tudo, era meu playground, depois naturalmente fui me encontrando mais nos instrumentos de cordas. Pedi e ganhei do meu pai um baixo elétrico, isso foi marcante…

Foto Alexandre Suplicy

Conte-nos um pouco sobre esse caminho dos sete anos até chegar ao teu CD.

Além da Música Brasileira, o rock mudou minha vida. Desde Beatles, grunge, clássicos, metal. A minha primeira banda era de rock e já era voltada para o autoral. Depois conheci o reggae e muitos outros estilos…

Tudo me influencia, não só a música. Sou um cara observador, fotos, natureza, pessoas, comportamentos e por aí vai…

O lance dos sons da natureza vem das minhas imaginações em transformar em música… O Zé Victor Torelli (engenheiro de som/produtor musical) conhece bem minhas viagens musicais, gostos, timbragens, isso facilita para chegar ao resultado. O Rubem Farias (produtor musical) e eu, escolhemos alguns músicos com timbres “personalizados” para dar todo este clima. É uma sincronia das pessoas que absorveram o que é o “Mergulho”… Aliás, sou fã de todos os músicos/arranjadores do disco, isso é muito legal e sacramenta mais ainda a sonoridade final.

Sobre os sons no geral tem toda uma alusão ao canto das baleias, o balanço descompassado do mar, feminilidade das sereias, as brisas, os mistérios do oceano, do luar etc.

É muito legal cada pessoa ter sua própria interpretação.

- Buda significa “Desperto”. No encarte do teu CD há uma frase de Buda “aprender é mudar”. Durante o seu processo de criação houve uma busca por esse despertar?

Não houve uma busca específica, mas eu acho que o compositor tem alguma ligação “espiritual” musical. Esta frase é muito profunda e reflexiva e tem tudo a ver com este trabalho. Esta foto foi tirada em uma praia especial para mim, um lugar que me faz bem. Uma “iluminação” que vale citar é meditar, faço isso todo dia e me ajuda muito na vida no geral…

Com as florestas sendo desmatadas, o clima se transformando, animais entrando em extinção, alguns sons não existem mais. Como ocorre essa relação entre sua música e a natureza em um momento onde há um grande apelo contra a sua destruição?

Infelizmente é uma dor extrema, muitas vezes o ser o humano só dá valor quando certa situação está grave ou não existe mais. É inacreditável e inaceitável o que o poder sujo faz com a cabeça das pessoas ao ponto de querer devastar brutalmente uma riqueza natural como o caso recente da Amazônia.

Mesmo assim tenho que me inspirar e enxergar alguma positividade em momentos adversos. Ainda há esperança, superação. E através da música acho que consegui transmitir essa energia, esse respeito, esse amor…

Você diz que o teu desejo é que sua música nos leve para lugares que nos façam bem. Diante do atual momento político no Brasil, você acredita que a sonoridade leve de sua música seja uma forma de resistir, uma forma de trazer um pouco de equilíbrio ao caos interior?

Com certeza é uma maneira de trazer um pouco de equilíbrio, a música tem esse poder, as artes no geral… Muitas pessoas me dizem que o disco está trazendo sensações/emoções ótimas como: paz, lembranças, esperança, estímulos, amor, liberdade, gratidão… Isso me realiza muito. Tudo o que é positivo e assimilado é uma contribuição e isso é o que mais importa, então eu fico extremamente feliz…

Foto Gustavo Massola

- Como é lançar um CD instrumental no Brasil hoje?

Com certeza é um desafio a mais, sendo que a música instrumental principalmente vinda do Brasil é muito mais valorizada no exterior.

Eu precisava fazer algo, também escrevo canções apesar de até o momento criar mais a parte musical. Eu estava juntando vários materiais… Até que resolvi fazer a maior verdade do momento, que eram as músicas instrumentais com os temas de natureza, praia, o tipo de sonoridade… Compus o disco inteiro em uma levada só, exceto duas músicas que eram de 2009, 2010 que estavam inacabadas e precisavam nascer. Tinham umas 17 faixas, depois, lapidamos para 11. Pelo fato de não ter letra este trabalho, acho que fica ainda mais viajante, reflexivo, imaginativo e livre… Não foi muito planejado e estou extremamente feliz e agradecido com o resultado no geral!

Eu sempre penso primeiro na composição, na música, no arranjo, no amor por ela. Percebo que a maioria das pessoas que ouvem e estão conhecendo e curtindo o “Mergulho”, são fãs na maioria de músicas com letras. Isso é bem interessante e curioso para mim, espero que seja um sinal que o instrumental esteja ampliando horizontes no país… Que tudo mude para melhor!

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Mestre em Antropologia Social pela Universidade de Estocolmo. Sua pesquisa cruza antropologia, ciência política, mídia, artes cênicas e estética da arte