Entrevista a Oscar Niemeyer: «O Voo do arquiteto»

Ed Caliban
Revista Caliban issn_0000311
5 min readSep 23, 2018

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Oscar Niemeyer, em Brasília, ao lado do Palácio do Planalto

Pedro Maciel

Oscar Niemeyer é um dos pilares da moderna arquitetura brasileira. Sua obra, reconhecida internacionalmente, inclui projetos como o da Pampulha, em Belo Horizonte, e do Memorial da América Latina, em São Paulo. O arquiteto desempenhou um papel fundamental na concepção da cidade de Brasília. Toda a sua obra se inspira nas curvas das montanhas, no curso sinuoso dos rios, nas nuvens do céu e no corpo da mulher amada.

Nesta entrevista inédita, realizada no escritório do Rio de Janeiro, com vista para o Forte de Copacabana, Niemeyer comenta aspectos da arquitetura, faz reflexões sobre a sua obra e revela algumas de suas preferências estéticas.

Você concorda que os gregos criaram um sistema plástico admirável, quase perfeito?

A arquitetura evoluiu com o tempo. Primeiro as construções de pedra ou de alvenaria. As aberturas pequenas, as vergas de pedra e madeira. Depois vieram os arcos e nesse espaço de tempo os gregos fizeram aquele tipo de arquitetura, aquelas colunas que foram feitas com muita beleza, muita simplicidade e que marcaram na arquitetura.

Existe alguma obra da arquitetura que aciona mais os nossos sentidos e que tenha a mesma grandeza do Parthenon nos tempos atuais?

A arquitetura evoluiu tanto e tem coisas até mais importantes do que o Parthenon. O que marca a arquitetura não são os pés pequenos, e sim as catedrais, os grandes edifícios que a revolução industrial estabeleceu. A arquitetura hoje é mais rica e mais variada. O concreto permite planos enormes de modo que o vôo do arquiteto se modificou. Hoje ele quer vencer o espaço, lançar mão de 100, 200 metros e usar a técnica mais apurada. Quando o arquiteto tem talento procura fazer uma obra de arte que exige uma coisa bonita, diferente, capaz de criar espanto e assombro.

Falemos um pouco sobre a influência das outras artes na arquitetura.

O arquiteto tem que se informar sobre tudo. Eu sempre reclamei que o estudante de arquitetura, ao sair da escola, tem que ter uma idéia do seu país e do mundo em que vai viver. Lendo um romance, às vezes, a gente encontra uma frase para explicar a nossa arquitetura. Isso aconteceu comigo quando li Heidegger. Ele diz que “a razão é inimiga da imaginação”. Isso é fundamental, é incrível.

Brasília parece uma ave do cerrado voando num tempo que não existe, num tempo que nos foge, num tempo, que, talvez, tenhamos de inventar. Brasília é de um outro tempo?

Brasília é uma cidade dentro do regime capitalista. É uma cidade como outra qualquer, mas é uma cidade bonita. O plano foi feito de maneira sensível, vendo espaços monumentais, quando isso era necessário, fazendo uma cidade acolhedora. É o projeto de Lúcio Costa. Já a minha arquitetura eu a concebo livre, baseada na curva, na procura da beleza. O que a beleza exige é espanto, é coisa diferente e não uma variação. Com esse intuito procuramos fazer Brasília, naqueles curtos meses que nos deram.

Brasília vem cumprindo a sua função? O Plano Piloto vem sendo alterado?

Brasília está certa para o fim que se propõe. É uma cidade burocrática e uma cidade de trabalho. É a primeira capital moderna que se fez no mundo. Brasília tem que ser preservada porque foi feita com muito carinho em poucos anos, mas não é uma cidade do futuro. A cidade do futuro vai ser uma cidade feita na base do programa socialista, feita para os homens iguais e dignos de todo o respeito.

Qual a importância da obra da Pampulha em Belo Horizonte, como monumento moderno brasileiro?

A Pampulha merecia mais respeito. Foi o início dessa arquitetura que eu prefiro mais livre, procurando a coisa da beleza que é fundamental. Mas, infelizmente, isso não acontece. Ao redor da Pampulha foram construídos prédios de segunda ordem. Aquela idéia de um mundo novo de arquitetura que a Pampulha abrigava, já desapareceu.

O movimento pós-moderno na arquitetura pode ser considerado morto e enterrado?

É lógico. É uma fantasia e ao mesmo tempo uma bobagem. Pretendiam fazer prédios modernos pregando coisas antigas. A conclusão é que não tem a menor possibilidade de prosseguir. O mérito que existiu no pós-moderno foi o de ter acabado com o racionalismo. O pós-moderno mostrou que a liberdade devia ser mantida, mas exageram e acabou perdendo o sentido.

Apesar de tudo, da explosão demográfica e da crise econômica mundial, a arquitetura e o urbanismo ainda conseguem refletir o homem e seu ambiente?

A arquitetura não resolve nada nesse sentido. O que resolve é a revolução. Por isso eu acho que a arquitetura não é tão importante, importante é a vida e a gente poder mudar esse mundo tão injusto que nós conhecemos.

Você ainda sonha com a utopia socialista?

Não há utopia nenhuma. O que está morrendo não é o comunismo, o que está morrendo sem emprego e sem nada é o capitalismo. De modo que a idéia de Marx é uma idéia que comanda o mundo. Quando Lênin fez a revolução, ele não achou que a vida ia mudar com seus tropeços, com seus momentos de pausa, como aconteceu agora. Mas onde tem miséria, onde tem injustiça, tem sempre um comunista por perto.

Você foi muito amigo do Luis Carlos Prestes. Na época do governo Vargas, o escondeu juntamente com outros comunistas no seu escritório. Fale um pouco dessa relação com o líder comunista.

Eu conheci o Prestes quando ele saiu da prisão e acolhi os comunistas no meu escritório. Eles ficaram lá durante dois ou três meses. O meu escritório foi transformado em comitê metropolitano do Partido Comunista. Prestes foi uma figura ímpar, um sujeito decente que deu a vida dele para uma causa política e era um sujeito incorruptível, corajoso. Um exemplo assim deve ser multiplicado em nosso país.

É possível pensar um Brasil melhor?

Mesmo com a imensa injustiça, com todos os defeitos, eu não quero sair do Brasil. O Brasil vai ser um país extraordinário porque o povo brasileiro merece isso, depois de tanta miséria e de tanta revolta.

Pedro Maciel é autor dos romances “A noite de um iluminado”, ed. Iluminuras, “Previsões de um cego”, ed. LeYa e “Retornar com os pássaros”, ed. LeYa, entre outros.

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