Dois poemas inéditos a Gastão Cruz (Prémio António Ramos Rosa) — I

Luís de Barreiros Tavares
Revista Caliban issn_0000311
3 min readSep 17, 2019

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Gastão Cruz — Faro-1941 — © Global Imagens

Manoel Tavares Rodrigues-Leal

Gastão Cruz recebeu no passado dia 4 o “Prémio Nacional de Poesia António Ramos Rosa” com o livro Existência (2017).

O afecto, essa ausência, esta escassez…

Esta busca!… D’oiro!…

(M.T.R.-Leal — Lx. 17/1/87 — Na página de rosto do caderno Percurso (1987)

M.T.R.-Leal. : Gosto muito do seu livro Escassez

G. Cruz: Também gosto…

Dois poemas inéditos de Manoel T.R.-Leal a Gastão Cruz, escritos há mais de 40 anos (1977), evocando Escassez (1967) e As Aves (1969):

I

Elogio de Gastão Cruz

À escassez aludo ou escrevo: substantivo inabitável,

quando nos supúnhamos tecido quotidiano e queimado, suor transpirado pelos poros possíveis.

E a bruma de beleza se arruma e afaga, somente, oh, tão somente, semente amável…

Lx. — Cintra — 10–2–77 — caderno Do Ócio e Meditação em Cintra[1]

II

As aves (para o Gastão Cruz)[2]

Nós sabemos a geometria das aves moribundas, pousadas em os beirais dos templos: retirai-lhes o coração com crueldade. Conhecereis o seu orgasmo em as múltiplas mortes.

Das aves mortas não tereis o mínimo remorso.

Dos templos erigidos aos deuses, ignorai a sua decadência…

Lx. 16–6–77 — caderno O Reino do Rigor[3]

Edição/Reimpressão de 2006, com “Escassez” e “As Aves”, livros evocados nos dois poemas

O convívio com Gastão Cruz — No princípio dos anos 70 Manoel Leal conhece Gastão Cruz no extinto “Café Monte Carlo”, onde também conheceu Herberto Helder. Gastão Cruz fala da possibilidade da publicação de um livro de Manoel Leal. Encontram-se também no Centro Nacional de Cultura. Mas o livro não foi por diante. Muito provavelmente porque Manoel Leal não deu continuidade ao assunto. Hesitou durante muito tempo na publicação. Algures, escreve mais ou menos assim: “não escrevo livros, escrevo cadernos”. Apenas em 2007, cerca de 50 anos após os primeiros poemas (1958), publicou o seu primeiro livro de edição de autor (A Duração da Eternidade), a que se seguiram mais quatro até 2011.

Um poema de Gastão Cruz lido por Luís Miguel Cintra: “A Substância Escura”:

Entrevista a Gastão Cruz sobre a Poesia 61:

“O português Gastão Cruz fala sobre a Poesia 61, movimento de jovens poetas portugueses dos anos 1960, influenciado pelo surrealismo francês, e da importância dos poetas brasileiros João Cabral de Mello Neto e Carlos Drummond de Andrade.” (na descrição do vídeo)

Nesta página há um outro poema de Manoel Leal dedicado a Gastão Cruz:

Poemas e breve biografia de Gastão Cruz: https://www.revistaprosaversoearte.com/gastao-cruz-poemas/

Manuscrito do poema II

Notas:

[1] Este poema evoca o livro Escassez, de Gastão Cruz (Faro: Edição de Autor, 1967).

[2] Poema que se inspira no livro As Aves, de Gastão Cruz (1969). Como poeta, o seu nome aparece inicialmente ligado à publicação colectiva Poesia 61 (que reuniu Gastão Cruz, Casimiro de Brito, Fiama Hasse Pais Brandão, Luiza Neto Jorge e Maria Teresa Horta).

[3] Segundo as indicações no manuscrito, No Reino do Rigor é o título mais provável. Há ainda dois possíveis títulos: Reino Efémero e Rigor e Respiração, este último talvez menos provável.

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