Breve Poética: Gisela Casimiro

Samuel F. Pimenta
Revista Caliban issn_0000311
3 min readFeb 15, 2021

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Gisela Casimiro, por Diana Mendes

Gisela Casimiro é uma escritora, artista e activista portuguesa, nascida na Guiné-Bissau em 1984. Depois de ter lido o primeiro livro sozinha, soube que queria contar histórias.

“A poesia surgiu bem depois da prosa, já perto da adolescência. Sempre passei muito tempo na biblioteca a ler tudo o que encontrava e, um dia, cheguei à secção de poesia. Não me interessavam tanto os poetas do programa escolar. Houve um hiato de alguns anos, mas depois, aos 21 anos, retomei a poesia e não voltei a deixá-la”, acrescenta.

Estudou Línguas, Literaturas e Culturas (Estudos Portugueses e Ingleses) na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. É autora de Erosão (Urutau, 2018) e alguns dos seus poemas integram antologias como Rio das Pérolas (Ipsis Verbis, 2020). Foi ainda uma das tradutoras para português do livro Venceremos! (Falas Afrikanas, 2020), que reúne discursos escolhidos de Thomas Sankara.

Nos últimos anos, tem colaborado como cronista em publicações como Hoje Macau, Buala e Contemporânea. Além disso, tem participado em diversos festivais literários, como o International Young Writers Meeting (Turquia), Rota das Letras (Macau), Festival Resiliência (Moçambique), FOLIO e Waking Life (Portugal).

Também tem marcado presença em exposições. A sua obra fotográfica Museu Pessoal integrou mostras colectivas organizadas pela DJASS (2018) e pela Associação Portuguesa de Antropologia (Museu Nacional de Etnologia, 2019). Em 2020, realizou a exposição de poesia visual O que perdi em estômago, ganhei em coração, no Armário (Lisboa), com curadoria de Ana Cristina Cachola, do projecto quéréla. No mesmo ano, participou ainda na exposição colectiva Four Flags, organizada pela Taffimai e pela Galeria Zé dos Bois (Lisboa); na exposição Fazer de Casa Labirinto, na Balcony Gallery (Lisboa); e na exposição Retrospectiva Retroescavadora, na Casa do Capitão (Lisboa).

Gisela Casimiro sempre se interessou por fotografia, colagens e arte. Não considera haver uma relação directa entre as suas criações visuais e a poesia. Mais com as crónicas, talvez.

“Agora o texto existe, é feito de memória e quotidiano, eu deixei-me de ficção há muito tempo, e é-me pedida uma imagem que o ilustre. Nem sempre sinto essa necessidade ou creio que sirva o texto mas, sempre que possível, tento que a imagem seja da minha autoria. Cada vez mais é a minha intenção que a poesia seja forjada na Natureza; é disso que preciso. Também ambiciono a precisar de cada vez menos palavras, e é por estes dois factores que adoro Bashô”, explica.

De momento, dirige o departamento de Cultura do INMUNE - Instituto da Mulher Negra em Portugal, uma associação feminista interseccional e anti-racista criada por Joacine Katar Moreira, deputada na Assembleia da República Portuguesa. O seu trabalho social e activismo, em particular o trabalho que desenvolve no INMUNE, tem-lhe permitido integrar um projecto de empoderamento social e comunitário pelo qual têm passado mulheres como a jornalista Paula Cardoso, a poeta Raquel Lima, a cineasta Loló Arziki ou a activista Alessa Herrero.

“Destaco o trabalho realizado pelo INMUNE em parceria com a Escola Azevedo Neves, na Amadora, e a professora Catarina Coutinho, bem como colaborações com o Teatro do Bairro Alto ou o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Quer na escola, na academia ou no teatro, é importante criar união e consciência cívica, enquanto ressignificamos estes mesmos lugares e as possibilidades daqueles que, no futuro breve, irão ocupá-los”, acrescenta Gisela Casimiro.

Ficam três poemas da sua autoria.

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LEONARD COHEN MORREU

Leonard Cohen morreu.
Pelo menos tenho o doce de tomate da minha mãe.

(in Erosão, Urutau, 2018)

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CONSELHOS

Mesmo o embondeiro
Pede conselhos à avó

(in giz, inédito)

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LATASHA HARLINS

Mãe, eu podia jurar que
era sumo de laranja dentro
da garrafa, mas quando ela
caiu da mochila só havia
o meu sangue derramado

Assim contam as testemunhas
e eu acredito, afinal estava
de costas voltadas com uma
arma apontada à cabeça

Eu tinha quinze anos
A minha vida
avaliada em um
dólar e setenta
e nove cêntimos

(in giz, inédito)

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Poeta, escritor, artista. Dedica-se ainda à promoção dos direitos LGBTI+, dos direitos humanos e dos direitos da Terra. https://samuelfpimenta.com