«Aurora de Cedro» de Tito Leite: da arte ao fogo.

por Inez Andrade Paes
Em três versos de Camões, surge a Aurora, na fulgural mensagem de toda a estrutura de um Cedro, alimento sobrevivente para chegar à morte. “ E nossa vida escassa/ foge tão apressada / que quando se começa é acabada.”
No azul do céu e no azul da água, há árvores que se agitam nas muitas musicalidades deste poeta. Mencionando para si Stravinsky “Em cada ode, o poeta canta / uma morte: como quem recria uma semente de alegria no recreio dos segregados.”

Na incomensurável fome dos esquecidos na miserabilidade do amor Miserere Nobis, a lasciva cura nos químicos, dos outros, entre Fármacos, uma medição do tempo e uma vontade de seguir numa intermitência de vôo sem rumo “Na cabeça uma ampulheta, / nas mãos, borboletas fugidias, /em todos os caminhos, / nenhum destino” a fragilidade na interrupção da cura, “apertar o botão abismo.”
A construção do origami na rapidez de sabres diluídos nos presságios inscritos nos bocados da procela.
A importabilidade de um corpo, Discordância, a um limite mesmo que da pertença intocável. Não há duas faces apesar de tudo, não há pretensões a tê-las, mesmo que a obrigatoriedade assim o exija. Oferecer uma das tantas faces e todos os outros lados, de todas elas. Na solidão, o medo.
No que em Deus seja o limite, pela impossibilidade de mais, é ganho terapêutico para a purgação imaginativa da não vivência, não seja isso a falta de outras vidas entre as mãos deste Poeta. Expelem-se as excrescências de factos, neste que é Miserere, parte-se ao meio a palavra Nobis, como alimento e como protecção do corpo. Da alma estará garantida, para já. “Muitos pastores /um só holocausto: / Deus nos salve / de Deus.
Uma luz néon acende e apaga, no apogeu das realidades vividas, através de algum ou de alguma passagem lateral. Circular encontra um modo de avanço para a lenta ficção.
Na peregrinação a Jack Kerouac, em “Tristessa”, será que o poeta se confronta dentro de uma escrita ampla e livre na sua clausura, ou molda-se a tempo de amar independentemente de qualquer muro que se avizinha eterno? Ele compreende que a liberdade, através destas oficinas, sem mestres, pode o homem comum reter a sua verdadeira escola. Mas tudo é contingente e repete-se: “Ausência / de eternidade / nos olhos / curtos de cada/ passante. Este Transitório incomensurável e douto “Não é a lua / que sangra. / são os pés / dos retirantes.”
A busca e a ajuda na reparação da perfeição impossível no caos, mesmo que em dádiva, não seja essa a forma secreta para uma redenção a que o mundo se trancou, um holocausticismo.
Apela à leitura de Elizabeth Hazin quando oferece os seus versos. Assemelha-se este “Infindo” do poeta ao “ Princípio do Fim”. Um reforço, um paralelismo. Em resposta a estes versos da poeta “nada permanece inteiro /tudo se esgarça / assim é o intervalado texto do destino,/ forrando a mesa”, diz com certeza em eco o poeta: “Vão-se pétalas / e relicários /e o que temos de sagrado / se esgarça.”
Cedrus, Cedrus, Cedrus, como uma Trindade. A metade do tronco deste, envolto na Aurora. Derivam todos os caminhos para pertencer à unidade. No entanto, “Não há estrada certa”
Da arte ao fogo, o incomensurável vôo dos pássaros. Lá longe a luz que se esbate foi precavidamente moldada para que do seu interior a água ou o vinho repousasse. Uma espécie de reparação de todos os básicos sentidos para sobreviver “A Transcendência do fogo”
A volta a tudo ao que é comum. O canto é um sibilo. Os passos dos outros poetas liquefazem-se “no silêncio mais inquietante” Qualquer um não sobressai ao mórfico do poeta. Já pereceu a várias Auroras.
As asas volteiam nos vôos contínuos para a eterna e constante presença do poeta. Na aprendizagem entre o ciclo aberto a uma mudança. As carnes, vegetalizando a necessidade, pouca, permanecem indício cerebral nas clausuras à meditação e surgem como forma de frutos, de flores, até de um sangue que será só cerebral porque, na realidade, é seiva. Dentro de si o poeta transcreve continuamente um exalar dos eternos mitos. Os poemas têm épocas, sinopses que o próprio Poeta não encarna mas lucidamente decreta. “Bendito quem chupa / o fruto e o caroço / do poema maldito.” Uma maledicência no “Sangue das palavras / bem ditas.”
Uma patente poética exacerba o vazio para que os Anjos venham em seu auxílio. Os absurdos são humanos. Ele crê em si, na religiosidade, que a tem, formalizando regras. Um cânone formado entre os clássicos e aberto a todos os novos mas que se mantém em “fragmentos de Safo”, deixando-se ficar em qualquer trecho de música, e no seu silêncio.
Divide este livro em cinco parte. Cinco partes do dia. Cinco partes de um mês, cinco partes do ano. Cinco partes determinadas como absolutamente cruciais, diluídas na sua escrita.
Descansa o poeta, na última parte do dia. Cita Juan Gelman, “Amor que serena, termina?”.
Deixa-se adormecer entre o azul dos mares, outros poetas, nas irregularidades presentes, dentro da mitologia que se dilui, mais uma vez, dentro de si.
Cerra o olhar imaginando o Sol encontrando-se na Lua. Saciando o seu apascente guia, entre Baco e a serena tarde em Olinda.
“Quando chegamos / perto de Deus /nos sabemos / um nada.”
Completo esta leitura com o poema que se encontra no coração do livro — KERIGMA.
“O navegante
é uma tarde esmagada
na barca
Violáceas
são as águas.”
Do que é tudo e do que é nada, estes poemas são a transposição de imagens. Contínuas e mortíferas mas absolutamente renováveis, como toda uma Aurora.
Bate no Cedro uma luz ténue e alcança todo o corpo que range e fala com o vento.