A Twilight Zone e a denúncia do ódio

Patrícia Maia Noronha
Revista Caliban issn_0000311
8 min readOct 24, 2018

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Um olhar sobre o episódio 6 da 2.ª temporada emitida em 1960

Episódio completo aqui: https://archive.org/details/TwilightzoneEyeofthebeholder

Nos anos 80, quando a RTP transmitiu a Twilight Zone (TZ) (conhecida, em Portugal, como A Quinta Dimensão e no Brasil como Além da Imaginação), eu tinha explicações de matemática várias vezes por semana. Passava aquela hora a lutar estoicamente contra o sono temendo que a minha cabeça caísse, inerte, sobre a secretária (espero que a D. Odete me perdoe, caso passe os olhos por este texto). Nos minutos finais da explicação, ficava mais desperta do que um piloto de fórmula 1 dando voltas na cadeira e olhando insistentemente o relógio. É que a explicação de matemática terminava quase à mesma hora em que a Twilight Zone começava. Quando saía, tinha de correr furiosamente entre o quarteirão que separava o prédio da explicadora do meu prédio, apanhar o elevador (que por vezes parecia vaguear aleatoriamente entre os 15 andares do edifício) até ao 7.º andar para ligar a TV a tempo de ver Rod Serling, de cigarro da mão, a apresentar o enredo daquele dia. Valia a pena. Muitos dos episódios ficaram-me na memória. Hoje, nas vésperas das eleições do Brasil ensombradas pelo candidato Jair Bolsonaro, num continente fustigado por políticos populistas com tiques ditatoriais, onde os Estados Unidos da América, a segunda maior democracia do mundo, depois da Índia, são liderados por um presidente xenófobo e sexista, entre outra “qualidades”, vale a pena recordar um dos episódios mais famosos da série, intitulado “The Eye of the Beholder”, que vos convido a ver ou rever (o link acima contém o episódio completo).

Emitido em 1960, em plena Guerra Fria, o episódio seis da 2.ª temporada da TZ conta a estória de Janet Tyler, uma mulher que é, também, uma aberração. A deformidade obriga-a a viver num “mundo privado de escuridão”, revela Rod Serling, narrador (e guionista), na introdução deste episódio. Voltemos a Janet. O rosto está envolto numa espessa camada de ligaduras que abafa a voz angustiada. A paciente acaba de ser submetida à 11.ª intervenção médica para tentar curar o seu “problema”. O problema de ser diferente num país onde o Estado impõe, como diz o líder máximo do Governo, num discurso transmitido nos múltiplos ecrãs planos do hospital, “uma única norma! […] Uma única moralidade!”. Na sua voz autoritária, carregada de raiva, o líder avisa: “Precisamos eliminar tudo o…

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Formei-me em jornalismo só para poder contar estórias. Já dormi sozinha num bosque. Autora do livro O Elo Invisível. patriciamaianoronha@gmail.com