A morte é indestrutível

Ney Ferraz Paiva
Revista Caliban issn_0000311
3 min readApr 12, 2017

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Max Martins por Ney Ferraz Paiva

Acabava-se de morrer a minha morte.
Hélène Cixous

Há oito anos morria em Belém do Pará, Brasil, o poeta Max Martins. Deixou uma poesia maior do que o público e ele próprio talvez percebessem. Exigia-se muito, o máximo, mas jamais a perfeição. Como ele mesmo disse: “Eu sujei a perfeição”.

Rivalizava-se com a palavra, aspirava uma obra em que os pontos de tensão se multiplicavam e distendiam de um livro a outro. O zen aí era uma fraude. O zen era uma farsa. Sua escrita se movimentava num espaço de violência ativa, de combate e ruína. Max vivia e pensava a linguagem. Relação incomensurável com a poesia permanentemente renovada pela experimentação que nos deu a alegria de dois livros geniais, incomuns, de quem jamais cedeu nem recuou e só assim pôde realizar seus grandes feitos — O risco subscrito (1980) e Caminho de Marahu (1983). Livros que são mais poesia do que pode conter a amesquinhada biblioteca da intitulada literatura paraense.

Max não foi o poeta de um lugar. O lugar lhe permanece inconfessável. Max escreve num trânsito de ruína, delírio, esquecimento.

O que lhe nega a língua, o mutismo das representações e da intimidade. O silêncio de quem nada tem a confessar, nem seu léxico a revelar. Seu texto é sempre Outro. Nômade. Sem rosto nem pertences. Há, claro, ramificações e revezamentos diversos e intensos com a contemporaneidade. Aquela, que segundo Agamben, não fixa um autor a seu tempo. Os mais antigos: Walt Whitman, Mallarmé, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Murilo Mendes, Paulo Plínio Abreu, Mário Faustino, Robert Stock, e os mais recentes: Maurice Blanchot, Ingeborg Bachmann, Thomas Bernhard, Edmond Jabès.

Max apartava-se do testemunho documental. Não queria ser o poeta das pequenas histórias ou das grandes tiradas do momento na sala de festas da oficialidade local. Nem procurou escapar pela saída de emergência dos contos nem das crônicas nem do jornalismo de arte. Foi poeta apenas. Poeta da palavra com as consequências e implicações diárias e tremendas.

Fez a sua escolha de poeta e manteve até o fim os caminhos da sua aposta. Uma aposta pela grande poesia. E lançou sorte à sua morte. E viveu sem concessão o seu delírio.

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Pomas de O Risco Subscrito, 1980, Reeditado pela Edufpa, 2016.
Poemas de Caminho de Marahu, 1983. Reeditado pela Edufpa, 2015.

Ney Ferraz Paiva

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